«Pedro Passos Coelho reapareceu, como testemunha num julgamento, decretando aos jornalistas que António Costa era o único primeiro-ministro que se tinha sentido “na necessidade de apresentar a demissão por indecente e má figura”. Como todos sabemos, Costa demitiu-se por causa de um processo judicial. Má figura, para não dizer indecente, é transformar os efeitos imediatos dessa investigação numa sentença política. Passos pode fazer um balanço negativo do governo que cumpriu a estratégia orçamental (e eu lamento-o) que ele disse que nunca resultaria e que se resultasse ele teria de defender o voto no PS, BE e PCP. Não pode dizer que foi por isso que Costa se demitiu, porque é falso.
A relevância da aparição de Passos é o efeito que tem na direita. André Ventura veio imediatamente colar-se ao seu criador (Passos escolheu-o para candidato do PSD à Câmara de Loures, tendo reafirmado o apoio quando houve sinais evidentes de discurso racista, que não o incomodaram na altura e parecem continuar a não incomodar hoje). Fê-lo porque percebe que continua a existir um vazio político no PSD, que ele aproveita. Não é a única razão para o reforço da extrema-direita, mas ajuda a explicar a rapidez do crescimento.
É também esse vazio que explica o retorno constante de fantasmas do passado, sejam desejados, como Cavaco Silva, sejam indesejados, como Passos. Fantasmas que ofuscam um líder que todos se preparavam para defenestrar depois das Europeias. Nem faltará quem já ache que Rui Rio seria melhor opção.
Pedro Nuno Santos polariza opiniões e muita gente que não gostará dele. Mas provoca sentimentos. Já com Luís Montenegro, mesmo tentando, com a ajuda de alguma imprensa, fabricar ondas de entusiasmo depois de congressos, continua a ser difícil imaginá-lo primeiro-ministro. Oito anos depois dos socialistas chegarem ao governo, ele aparecia a perder, nas sondagens, tanto contra Pedro Nuno Santos como contra José Luís Carneiro. E não lhe falta a ajuda mediática que faltou a Rui Rio.
A cada tema que o pode comprometer, Montenegro foge. Preso aos interesses privados da ANA, foge do tema do aeroporto, criando um grupo de estudo (composto por políticos, grande parte deles com responsabilidades na negociação do contrato de concessão que bloqueia as escolhas aeroportuárias do país nas próximas quatro décadas) para estudar o estudo do grupo de estudo que tinha exigido para poder tomar uma decisão que adia para depois das eleições. Faz o mesmo com o TGV ou a regionalização. Mesmo as promessas feitas sobre pensões no tão elogiado discurso que fez no congresso-comício do PSD, sobrou quase nada, ao fim de uma semana.
Os fantasmas do passado regressam porque a política tem horror ao vazio e é isso mesmo que Montenegro parece ser: o vazio. Pode-se gostar mais ou menos da nova geração de dirigentes socialistas a que um dia alguém comparou aos “jovens turcos”. Mas a verdade é que o PSD foi incapaz de criar, enquanto esses turcos envelheciam, uma única nova figura capaz de os enfrentar. Não há um nome marcante que não seja do passado. Uns vindos do passado distante de que os jovens eleitores já nem se lembram, outros de um passado que espreita o momento para regressar, carregado de ressentimento.
José Sócrates respondeu a Passos Coelho. É o interlocutor indicado para este confronto entre fantasmas que não nos lembram nada de bom. O drama do PSD não é ter figuras referenciais que muita gente de esquerda naturalmente não gosta. Isso é natural. É só ter isso. Pelo menos os ódios da direita dirigem-se aos líderes socialistas do presente. É mais saudável.»
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