«O populismo da e na Europa. Desde o final da Segunda Grande Mundial que direitas e esquerdas relativamente moderadas foram um dos principais esteios da integração europeia. Contudo, com o acentuar da retórica da crise – financeira, migratória, cultural, pandémica, securitária – ao longo de décadas, a dicotomia nós e outros foi elevada para um nível emergencial (veja-se o acordo recente sobre o Pacto de Migração e Asilo na UE). Como consequência, certos partidos, quer lhe chamemos populistas de direita ou de extrema-direita, tornaram-se parte do mosaico político europeu. Por exemplo, a ascensão do FPÖ ao poder, na Áustria, na década de 2000, e o sucesso de partidos similares em França, Finlândia, Países Baixos e Suécia nos inícios dos anos 2010. Num relatório do Institute for Global Change sobre os populistas no poder no mundo, na secção sobre a Europa, conclui-se que o populismo cultural – o que fala das e para as verdadeiras pessoas, aquelas, provavelmente, de bem – é o mais recorrente e bem-sucedido no continente.
Tendências de direitização. O que é que preocupa os europeus? A situação económica e a imigração, a transição verde e digital e a exclusão que daí advém e o desgaste provocado pela(s) guerra(s). Quem tem liderado essas “agendas”? Pelo menos, ao nível retórico, a direita, mas não a moderada. Na Polónia, o Lei e Justiça esteve no poder desde 2015 e ganhou eleições recentemente, embora sem maioria para permanecer no Governo. Na Hungria, Orbán conquistou o poder há quase década e meia, tendo vencido de novo as eleições em 2022. Em setembro desse ano, Meloni venceu as eleições com os seus Irmãos de Itália e na Suécia a extrema-direita dos Democratas Suecos ficou em segundo lugar, oferecendo apoio parlamentar ao novo Governo. O mesmo sucedeu na Finlândia, em abril de 2023, com o Partido dos Finlandeses a integrar o Governo dos conservadores. Na Alemanha, os nacionalistas da AfD assumiram-se como a segunda força política nas eleições regionais de outubro passado. Nos Países Baixos, o VVD de Geert Wilders, saiu vencedor nas eleições gerais de novembro passado.
Ao nível das tendências, verifica-se que, em grande parte da Europa, a maioria dos partidos deste espectro ideológico se situa atualmente bem acima dos 10%. Lideram as sondagens na Áustria, FPÖ (30%), e Bélgica, Vlaams Belang (23%). Estão em segundo em França, Rassemblement National (24%); Roménia, Aliança para a União dos Romenos (19%); e República Checa, Partido Democrático Cívico (13%); e em terceiro em Portugal, Chega! (16%), e Letónia, Aliança Nacional (13%).
O fim do centro político na UE. Bem sei que são consideradas eleições de segunda linha e que, antes, temos eleições legislativas em Portugal. Contudo, estamos a menos de meio ano das eleições europeias de 2024 e isso inquieta-me. Inquieta-me, porque a maioria dos partidos supramencionados faz parte de dois grupos no Parlamento Europeu – ID e ECR – que partilham entre si populismo de direita, nacionalismo e euroceticismo. Inquieta-me, porque esta direitização é uma tendência crescente que deve prosseguir – recordo que metade dos europeus inquiridos disse, recentemente, estar insatisfeita com o funcionamento das suas democracias e com o estado da União e que apenas uma minoria disse sentir alguma influência nas suas decisões. Inquieta-me, porque isto significará uma profunda reconfiguração das maiorias no Parlamento Europeu, pondo em questão o bloco central PPE e S&D e, consequentemente, o próprio processo de integração europeu. Por fim, inquieta-me que tudo isto pareça irrelevante, quando, a bem ou a mal, 70% a 80% da legislação vem de Bruxelas.
Para países como Portugal, estas dinâmicas têm consequências. É extraordinário ver partidos portugueses a apoiar estas perspetivas quando, no geral, estes outros partidos europeus olham para nós – beneficiários líquidos da UE – como meros sorvedouros de fundos comunitários. Como diria um antigo presidente do Eurogrupo: os países do Sul da Europa não podem gastar em mulheres e álcool e, depois, pedir ajuda. Com a direitização da direita europeia e o potencial fim do centro político na Europa, países como Portugal serão, porém, a menor das preocupações da Comunidade. Nas próximas eleições, o que está em jogo, verdadeiramente, é a (des)integração europeia como um todo.»
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