18.12.23

Que Pedro Nuno Santos não se plastifique



 

«Quando o discurso de Pedro Nuno Santos levantou, em 2018, o congresso do PS na Batalha, obrigando António Costa a dizer que não tinha metido os papeis para reforma, estava ali o “carisma”, que se tem referido como se fosse coisa superficial na política. “Carisma” foi a palavra que Max Weber recuperou da religião para falar de um determinado tipo de autoridade política, para além da tradição e da legal e burocrática. No caso de Pedro Nuno Santos, esse “carisma” tem correspondido, para alem das suas características pessoais, à necessidade de preencher com um discurso aspiracional o vazio de propósito que parece ter tomado conta de grande parte do centro-esquerda europeu. A sua desconcertante autoconfiança, a sua impulsividade, o seu atrevimento, ajudaram a construir esse discurso de forma mobilizadora.

É verdade que Pedro Nuno Santos de 2023, depois da TAP, já não pode ser o Pedro Nuno Santos de 2018, quando era o pivot da experiência feliz da “geringonça”. Este não era o momento em que ele queria ir a votos. Precisava de tempo para que episódios graves, mas pouco relevante na substância do que se conseguiu na TAP, ficassem em perspetiva. Só que, em política, raramente se escolhem os momentos em que se avança. Mário Soares tornou-se Presidente quando as sondagens previam uma brutal derrota eleitoral. Foi a votos porque era aquele momento em que tinha de ir. António Costa foi obreiro de um entendimento à esquerda porque as circunstâncias assim o exigiam, não porque fosse o seu plano. São as circunstâncias que ditam as lideranças, raramente é o inverso.

Um jornalista assinalou, no sábado, que, cumprido o sonho de sempre de chegar a líder do PS, Pedro Nuno Santos estaria satisfeito, mas não eufórico. Na realidade, acho que até tem estado acabrunhado. Se foi condicionado pela campanha de José Luís Carneiro, para mostrar-se permanentemente mais doce e moderado, não é provável que não continue a sê-lo pelos clamores da bolha mediática e política que tenta construir as narrativas simples que moldem os confrontos políticos. E isso pode ser um problema, até porque Pedro Nuno Santos não é grande ator, como a maioria dos políticos.

Claro que Pedro Nuno Santos tem de segurar, em circunstâncias muito difíceis, uma parte considerável do eleitorado que votou no PS em 2022 (e não, como Carneiro parecia julgar, o eleitorado do PSD). E boa parte desse eleitorado não quer aventuras – nem queria eleições agora – e essa é umas das razões para não confiar num tão frágil Luís Montenegro atrelado à IL e muito provavelmente dependente do Chega. A questão não é, como se quer fazer crer, o radicalismo. Nem Pedro Nuno Santos alguma vez foi um radical, nem grande parte dos eleitores que tem de segurar quer saber disso. Gostou da “geringonça”, essa promessa de “gonçalvismo”, como dizia e diz a direita. Não gostou porque fosse radical, mas porque devolveu rendimentos e garantiu alguma estabilidade.

Segurar boa parte desse eleitorado (algum está irremediavelmente perdido) não será conseguido por um Pedro Nuno Santos plastificado. Porque se ele desistir de tudo o que lhe parece arriscado na sua imagem perde o que o realmente lhe dá perfil de líder. Como todas as pessoas, os políticos têm defeitos que estão ligados às suas virtudes. A capacidade de decidir, errando ou acertando, de que se gaba, está ligada à sua impetuosidade. Se esconder uma coisa esconde a outra. Da mesma forma que não pode dizer, em discursos, que é uma pessoa com convicções se depois fizer toda uma campanha com medo de as expressar.

O problema de Pedro Nuno Santos não é nem o radicalismo, nem sequer alguma impulsividade. São os episódios que, recentemente, conseguiram ofuscar, aos olhos dos portugueses, o sucesso que acabou por ser o resgate da TAP – um sucesso difícil de explicar às pessoas, porque não há história contrafactual das perdas brutais para a nossa economia de uma TAP falida e porque o preço da inércia de um político é sempre menor do que preço de agir.

Não se apagam os episódios infelizes que marcam a carreira de qualquer político que não opte pela paralisia segura, para nunca ser notícia. Apenas se valorizam as qualidades associadas a esses episódios. Neste momento, Pedro Nuno Santos deveria estar a explicar que a sua capacidade de decidir é o exato oposto do que Luís Montenegro tem para oferecer, prepando-se para bloquear o novo aeroporto depois do PSD ter entregue o comando da política aeroportuária nacional, nos próximos 40 anos, à Vinci e a Arnaut. Ou seja, que tomar decisões implica cometer erros, comprar inimigos e não ser consensual. De resto, Pedro Nuno Santos tem de recuperar a imagem da competência que tinha quando era o mais poderoso secretário de Estado da “geringonça”, em que dominava quase todos os dossiers, que tinham de passar por negociações difíceis. Moderado ou radical, impetuoso ou sereno, tem de se mostrar preparado, nesta campanha.

E precisa de escolher dois ou três eixos programáticos para uma campanha que não se pode resumir à defesa do legado de Costa, em que o próprio Pedro Nuno Santos só acredita parcialmente. No seu caso, costumava ser a defesa de uma política de industrialização do país (aquela que o Ministério Público pretende criminalizar). Ora aí está uma coisa em que se pode distinguir, nem pela direita nem pela esquerda, de António Costa e Luís Montenegro. Na realidade, de todas as governações que apostaram num país com uma cultura fortemente rentista, que adora monopólios e rendas públicas. Uma cultura que Montenegro e Arnaut representam na perfeição.

Pedro Nuno Santos lidera o Partido Socialista e o PS é um partido de regime e de continuidade, não de rutura. Assim como nunca será qualquer líder seu. Outros cumprem essa função. Mas o pior que Pedro Nuno Santos pode fazer é plastificar-se. Fica sem nada: carisma, discurso, mobilização. Tudo o que fez dele um extraordinário caso de resistência política. Para o mal e para o bem, Pedro Nuno Santos não é António Costa, hábil gestor do “vai-se andando”. Não vai correr bem se se quiser parecer com ele.»

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