29.1.24

Duarte Cordeiro: como expulsar a boa moeda

 


«Há uma semana, Marques Mendes elogiou a decisão de Duarte Cordeiro não integrar as listas a estas legislativas. Um elogio envenenado, porque a atribuiu essa escolha à vontade do ministro ver tudo esclarecido, antes de regressar. Ora, Cordeiro não é suspeito e, por isso, nada há, que se saiba, a esclarecer. Se houvesse, ter-se-ia demitido do governo, como teve de fazer João Galamba.

Durante as buscas à sua casa, na espalhafatosa operação Influencer, a sua mulher teve de levar os filhos menores à escola. Para garantir que não havia contactos, foi acompanhada, ela e as crianças, por um polícia, dentro da viatura. A responsabilidade não terá sido dos agentes, mas de um mandato abusivo, tendo em conta o que estava em causa. Que pai está disposto a manter-se na política depois disto? Duarte Cordeiro não quer poupar o PS, que o desejava ter nas listas em lugar bastante destacado. Quer poupar-se a si mesmo e à sua família ao estatuto de suspeito por inerência.

Apesar de não penderem sobre ele suspeitas de desonestidade, este não foi o primeiro encontro de Duarte Cordeiro com o Ministério Público. Para além do influencer, Cordeiro foi alvo nos casos Linklaters e Tutti Frutti.

O primeiro estava ligado à contratação do escritório onde Pedro Siza era um dos sócios, para defender a CML no processo Bragaparques. O processo teve mais destaque do que o seu arquivamento, ao fim de sete anos, poucos dias depois da demissão de António Costa. Segundo o DIAP, não havia qualquer indício criminal.

Já o caso Tutti Frutti, que começou com umas figuras obscuras do PSD e só ganhou dimensão pública quando juntaram nomes mais fortes do PS, começou em 2016 e foi tornado público com as primeiras buscas na CML, que ocorreram em meados de 2018. Desde aí, o assunto volta ciclicamente às capas de jornais e peças televisivas.

No início de 2023, a TVI fez uma longa série de peças televisivas, durante uma semana inteira, sobre processo. A PGR disse, em resposta, que ia dedicar uma equipa especial (10 elementos) para acelerar processo. O prazo que saiu na imprensa era final do ano e, depois, foi falado que iria ser em janeiro. A semana passada tiveram lugar buscas em mais juntas do PSD, para analisar casos e contratos ocorridos entre 2011 a 2014.

Duarte Cordeiro nunca foi ouvido pelo Ministério Público e aparece nas escutas referido em conversas de terceiros, sobre constituição de listas com “candidatos merdosos” às juntas de Lisboa em 2017. Eleições em que o PS ganhou mais duas freguesias do que as que tinha antes dessas eleições, uma delas conquistada ao PSD. Mas o Tutti-Fruti arrasta-se há sete anos, sem arguidos e com buscas sazonais em períodos pré-eleitorais. Todos esperem que regresse agora.

Em resume, o nome de Duarte Cordeiro foi sujo na praça pública (incluindo através de buscas à sua casa) em três processos sem que nunca tenha sido, em qualquer deles, arguido. Ou seja: sem que nunca tenha tido sequer a possibilidade de se defender, ser ouvido, esclarecer seja o que for. Assim se perdem os melhores.

Não está em causa a necessidade das investigações. Investigue-se tudo. Quem nos dera que o tráfico de influências fosse aplacado, que as portas-giratórias entre a política e os negócios fossem fechadas, que a corrupção fosse combatida sem o labirinto infernal em que se transformou um código de contratação pública que paralisa o Estado e premeia quem conheça os atalhos. Como nada disto acontece, procuradores justicialistas aliados ao pior do jornalismo vão produzindo manchetes no lugar de sentenças, assediando no lugar de investigar e destruindo reputações no lugar de combater o crime.

Usando a Lei de Gresham, Cavaco Silva disse, um dia, que a má moeda expulsa a boa moeda. Neste caso, a má moeda é uma aliança, forjada pelo ar dos tempos, entre setores justicialistas do Ministério Público, um jornalismo cada vez mais tabloide e políticos populistas que, apesar dos telhados de cristal, contam com a falta de exigência do voto que captam.

Disse-me um dia um autarca honesto que quando entrou na câmara já se sentia arguido. Quem quer viver neste estado? Perigosos messias, patológicos narcisos e quem não tem um bom nome a defender. Que político competente e honesto está disponível para ser quotidianamente tratado como um criminoso? Quem quererá ver a sua vida destruída em vez de tratar da sua vida? Quem aceitará, para gáudio dos corruptos, ser confundido com eles? Quem quererá fazer política se a única forma de não ser suspeito é nada fazer?

Não sou dos que fala muito nos baixos salários dos políticos. Porque se ganha mal neste país e porque no alvor da nossa democracia também não se pagava muito aos políticos e havia gente extraordinária no parlamento. Não é o dinheiro, mas o propósito, que traz os melhores. Eles partem porque os Estados decidem cada vez menos e, por isso, a política é cada vez menos determinante. Se é só para gerir o que existe ou liderar uma comissão liquidatária, o rendimento é importante.

O que torna a política cada vez menos atrativa é a confluência de vários fatores repulsivos: menor capacidade de decisão; rendimento menos atrativo do que em funções de topo no privado; escrutínio mediático sem critérios de proporcionalidade e rigor; e condenações extrajudiciais na praça pública.

Por este caminho, estamos condenados aos pequenos aldrabões, que lá vão conseguindo o ajuste direto, a avença com a autarquia, a rede de contactos políticos que usam no escritório de advogados. A “especialistas” ao serviço de interesses privados, que fazem sua comissão de serviço na política para regressarem ao que eufemisticamente se vai chamando “sociedade civil” e serem devidamente premiados. A pessoas sem mundo, forjadas nas concelhias e sem outro sonho que não seja o de saltitar entre o partido e estruturas intermédias do Estado. E aos políticos “teflon”, a que nada cola porque nada deles se exige.

Assim se fecha o círculo: sem pessoas de qualidade e algum sentido de missão, o Estado fica mais fraco e tudo o que é suposto combatermos se torna inevitável. Não são os políticos que pagarão este suicídio da democracia. Seremos nós.»

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2 comments:

Fenix disse...


"Neste caso, a má moeda é uma aliança, forjada pelo ar dos tempos, entre setores justicialistas do Ministério Público, um jornalismo cada vez mais tabloide e políticos populistas que, apesar dos telhados de cristal, contam com a falta de exigência do voto que captam."


E eu recuso-me a acreditar/aceitar que a Democracia tenha que albergar estes fenómenos, em nome da liberdade de expressão e o suposto princípio da separação de poderes!


Diana Andringa disse...

Joana, "roupartilhei"! Obrigada. Diana Andringa