30.1.24

Eles não são todos iguais

 


«Um primeiro-ministro que se demite por estar sob investigação e cujo chefe de gabinete escondia dinheiro na porta ao lado, um ex-primeiro-ministro que vai ser julgado por suspeitas de ter sido corrompido, numa contradição judicial que provoca perplexidade, e um presidente do Governo Regional da Madeira constituído arguido por alegada corrupção.

A escolha dos nomes a figurar nas listas para a Assembleia da República também não abona muito a favor da classe política e das forças partidárias. A forma como deputados do PSD e da IL, sobretudo do primeiro, se prontificaram a integrar as listas do Chega não dignifica ninguém. A mudança de bancada não se deveu a nenhuma mudança ideológica. Deveu-se, simplesmente, ao facto de não serem reconduzidos, em parte por terem sido indicados por Rui Rio, e quererem, a todo o custo, manter-se no Parlamento.

O Chega começou a distribuir tachos nos passos perdidos da Assembleia, tachos que ainda não tem, confiante no seu crescimento e impaciente para fazer upgrade dos seus quadros. O processo de recrutamento de deputados do PSD e da IL — que lideram seis listas do partido de André Ventura — é tudo menos higiénico. O caso de Maló de Abreu, que se contradisse sem qualquer escrúpulo, é patético e contraproducente para a valorização de quem exerce cargos políticos. A sua desfaçatez transforma um lugar no Parlamento num emprego sem sentido.

Não interessa qual é a bancada. Só é necessária uma vaga. É irónico que o Chega tenha sido apresentado como resultado de uma rebelião interna do PSD, protagonizada por André Ventura contra Rui Rio. São os deputados escolhidos por este e não reconduzidos por Luís Montenegro que o Chega recrutou.

Não é preciso muito mais para reforçar a percepção popular de que a política corrompe e de que os políticos são corruptos, a argamassa de que se alimenta a demagogia mais rasteira. Estão criadas as condições para fazer da corrupção o tema principal da campanha que se avizinha e para que o Chega ludibrie o eleitorado com mentiras em nome da verdade e da limpeza do país. É fácil generalizar uma opinião corrosiva sobre a classe política, como se ela fosse toda igual e desprezível, o que está longe de ser verdade. Não é.

A dignidade de Duarte Cordeiro, ao rejeitar a possibilidade de ser candidato num lugar destacado a deputado, porque a Operação Influencer ainda não esclareceu o seu papel neste processo, e porque a justiça portuguesa é tudo menos célere, prova-o. Apesar de não ser arguido, o ministro do Ambiente tomou a opção ética de se resguardar, a si e ao partido, uma vez que o seu ministério foi alvo de buscas e foi citado nos autos como tendo participado em reuniões e jantares nos quais esteve, por exemplo, o administrador da Start Campus.

Os casos que ensombram a classe política, na qual a justiça tem tido um papel ambíguo e, por vezes, espalhafatoso, afectam a dignidade das instituições democráticas, mas não são estas que estão em causa. O discurso dicotómico entre nós e eles tem sido eficaz, apesar da sua boçalidade, no jargão populista por quase toda a Europa.

A divisão entre o povo e a elite, na qual se insere a classe política, com o Chega a fingir nada ter que ver com o assunto, entre os “portugueses de bem” e os outros, é a redução da política a uma falácia. A popular expressão do “eles são todos iguais” tanto pode ser usada para sublinhar as semelhanças entre PS e PSD, o bloco da alternância, quer para enfiar no mesmo saco todos os eleitos.

O povo puro e virtuoso não é homogéneo. A classe política e os partidos também não. Todos estes casos que têm alimentado a discussão pública são suficientemente preocupantes para gerar uma sensação de pântano, mas são insuficientes para lançar um anátema sobre toda a gente que faz parte dessa classe que nos querem apresentar como uma oligarquia sem vergonha.

Mas se o povo não é assim tão puro e os políticos não são todos oligárquicos, isso não quer dizer que os partidos não necessitem de mais exigência nas suas escolhas e de prestarem atenção aos problemas que sustentam o voto de protesto primário. Talvez a adopção de círculos uninominais obrigasse os partidos a uma escolha mais apurada dos seus candidatos.

O Parlamento sairia mais dignificado com a entrada de novos protagonistas, nomeadamente de independentes, o que não parece que aconteça num contexto como o actual, como se pode concluir das listas anunciadas e das transferências conhecidas, marcadas mais pela continuidade do que pela renovação. Sobra-nos a campanha, as várias campanhas que teremos pela frente, ameaçadas pela turbulência dos argumentos maldosos. É desejável evitá-la, mas nada nos garante que assim seja.»

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