18.1.24

Ideologias são as ideias dos outros

 


«No nosso país, acha-se normal discutir as privatizações, mas parece pecado falar de nacionalizações. Como se as nacionalizações fossem em todos os casos o resultado de radicalismo ideológico e as privatizações apenas um assunto técnico. Como ironizava o “The Economist”, ideologia são as ideias dos outros.

Ora, há tanta ideologia quando se defende a privatização da atividade económica como quando se defende a sua nacionalização. Em ambos os campos, pode haver radicalismo ou moderação. Há radicalismo ideológico nas privatizações quando não se acautela o interesse público e o património do Estado. Por exemplo, houve radicalismo ideológico, ou falta de ponderação, nas privatizações dos CTT, da ANA e da TAP. Mesmo sendo medidas impostas pela troika, o Governo de então foi muito além do exigido, descurando a defesa do interesse público.

No caso dos CTT, nada do ponto de vista técnico ou financeiro justificava uma privatização em que, além da concessão do serviço, se incluísse a alienação dos ativos, isto é, de todas as estações de correio, sem acautelar o interesse e o serviço público. Esta forma de privatização tornou irreversível a mudança de prestador do serviço e criou uma situação de monopólio privado. Porém, quando o Governo decidiu mitigar os efeitos negativos desta privatização, comprando ações ao mesmo tempo que renegoceia as condições da concessão e da prestação do serviço público, levantam-se vozes indignadas contra o fantasma de uma nacionalização por puro “radicalismo ideológico”.

No caso da ANA, o Tribunal de Contas já veio dizer tudo. Sem necessidade, foi entregue, em bloco, a exploração de todos os aeroportos do país, concederam-se prerrogativas na decisão sobre a localização e criação de novos aeroportos e nada se acautelou a atualização das taxas.

Agora, está o país dependente dos interesses de uma companhia para a tomada de decisões críticas para o seu desenvolvimento.

A TAP foi vendida a um grupo “predador”, sem qualquer reputação no mercado da aviação, que usou a companhia para extração e não para produção de riqueza, no último dia de um Governo em funções de gestão. Na crise financeira de 2008-10, foram nacionalizados inúmeros bancos, em vários países da Europa, para poderem ser salvos. Na crise da covid, o mesmo aconteceu com várias companhias áreas, incluindo a TAP. A História e as crises mostram-nos que, mesmo nas economias de mercado, é muitas vezes indispensável a intervenção do Estado, sob a forma de nacionalizações ou outra, para resolver falhas dos mercados e assegurar o interesse público.»

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