31.1.24

Marcelo vai abrir o jogo para depois de 10 de março?

 


«Já quase todos disseram que, na forma como lidou com a crise na Madeira, Luís Montenegro foi pouco corajoso e pouco coerente com tudo o que dissera sobre António Costa. Já a forma como o PSD tentou desfazer os efeitos do desastre foi infantil. Depois do líder ter dito que o caso se resumia a uma simples “perturbação na atenção política dos portugueses” e de ter reafirmado, por duas vezes, a confiança política no presidente do congresso do partido e mandatário nacional da sua candidatura interna, fontes do PSD fizeram saber, quando era evidente que o presidente do governo regional ia mesmo cair, que Montenegro o tinha pressionado para se demitir. Usando uma metáfora caída em desuso, tentaram, à segunda-feira, rasurar a aposta do totobola que tinham feito na sexta. Mas não há segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão e a verdade é que quem retirou a confiança política a Albuquerque foi o PAN, não foi o PSD. Humilhante.

Só que, até que esclareça o que pretende fazer, a incoerência mais relevante não é do líder da oposição, mas do Presidente da República. Todos nos recordamos que António Costa propôs, quando se demitiu, a sua substituição por Mário Centeno e que, contra a vontade do Conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa recusou essa solução. Na minha opinião, bem. Agora, nas mesmas circunstâncias, aceita-se que o PSD Madeira indique um substituto que não foi a votos. Um substituto tão pouco óbvio que nem se conseguem entender no seu nome.

A única coerência possível seria realizar eleições em maio. O Presidente recupera o poder de dissolução em março (as eleições foram há quatro meses, passaram seis na altura), o que corresponderia a um adiamento de dois meses da dissolução (o mesmo que Marcelo deu ao governo do PS, para se poderem aprovar orçamento e várias obras dependentes do PRR), e quatro meses de governo de gestão (o mesmo que que tivemos com António Costa), que normalmente levaria à nomeação do presidente da Assembleia Legislativa da Madeira para o lugar.

A única diferença entre as duas situações é que o PS tinha uma maioria absoluta para oferecer, no apoio a Centeno, enquanto a coligação PSD-CDS não pode dar essa garantia, já que dependente do apoio parlamentar de um terceiro partido que fez cair Albuquerque.

O grande argumento em defesa de Marcelo baseia-se num facto indesmentível para chegar a uma conclusão torcida: o Presidente não tem, até março, o poder de dissolução. Agora, nada pode fazer. Dessa inibição de agir passa-se para uma inibição política. Uma espécie de inconsticionalidade por intenção.

Recordo que o Presidente anunciou a dissolução da Assembleia da República a 10 de novembro e só a dissolveu a 15 de janeiro, mais de dois meses depois. O argumento contra o paralelismo é que quando o anunciou já podia dissolver (mas não dissolveu), enquanto agora não pode anunciar porque não pode dissolver. Também não vou recordar todas as vezes que Marcelo teve leituras criativas dos seus poderes constitucionais (promulgação de leis com propostas de alterações, por exemplo), o que torna difícil acreditar que é esta a razão de fundo para não dizer nada agora. Mesmo neste caso, já ultrapassou duas vezes os seus poderes formais, através de gestos informais: fez circular o perfil do substituto de Albuquerque e defendeu publicamente que o governo devia estar em plenitude de funções até à aprovação do Orçamento Regional (o que não foi aceite pelo CDS), quando a Constituição não lhe dá qualquer poder na nomeação ou demissão do Presidente do Governo Regional.

Para destruir este argumento, basta dizer que, quando deu posse ao governo de maioria absoluta do PS, ainda inibido do seu poder de dissolução, o Presidente da República não hesitou em avisar que aquela maioria absoluta era de Costa e apenas de Costa, deixando, desta forma, claro que dissolveria o Parlamento se ele decidisse ir para a Europa. Ou seja, que usaria o poder que ainda não podia usar se determinadas condições não continuassem a ser cumpridas. É o que poderia ter feito, com a mesma clareza e o mesmo argumento, nesta crise.

Assumo, porque, com o historial do Presidente da República é impossível assumir outra coisa, que o Presidente se escuda num argumento constitucional extraordinariamente restritivo, que impediria de fazer conjeturas para o futuro que se dedica a isso há anos, por razões políticas. Marcelo Rebelo de Sousa não quer estabilizar a doutrina que parecia em vigor desde que recusou Mário Centeno, contrariando o maior erro político da brilhante carreira de Jorge Sampaio, que foi nomear de Pedro Santana Lopes: a de que não aceita, à frente do governo, alguém que não tenha ido a votos. E não a quer estabilizar nas circunstâncias em que se repita esta situação: impossibilidade de uso imediato do poder de dissolução e incapacidade de uma maioria garantida por alguém que tenha ido a votos.

Se o fizesse agora, ficaria claro que, seja qual for o arranjo político, só os que hoje se apresentam a votos poderão liderar um governo nacional depois das eleições de 10 de março. Já a assunção de que o governo da Madeira é, mesmo sem Albuquerque, para a legislatura, abre a possibilidade do cenário de uma maioria direita que afaste Montenegro caso ele cumpra a promessa eleitoral e recuse um entendimento com o Chega, que lhe dê maioria. O que confirmaria as certezas transmitidas por André Ventura, na semana passada: “Se houver maioria parlamentar de direita, tenho a garantia total – não posso revelar de quem – de que haverá governo de direita. Com ou sem Montenegro. E não tem de ser com Passos.” E confirmaria inúmeras declarações de importantes dirigentes do PSD.»

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