27.1.24

Mitos e mentiras sobre os imigrantes em Portugal

 


«Diz-se que 2024 é um “ano supereleitoral” porque metade dos adultos do planeta — 4,2 mil milhões de pessoas — vão votar, em 65 países.

Em muitas dessas eleições, há um medo comum: o crescimento da extrema-direita.

Antes de avançar, um parêntesis. Se está a pensar “a extrema-esquerda é igual”, é útil repetir as diferenças abissais que separam os dois extremos. Cinco são extremas em 2024:

— A extrema-esquerda não recusa resultados eleitorais em democracias com tradição de rigor eleitoral;

— A extrema-esquerda não faz cercos às sedes dos partidos de que não gosta;

— A extrema-esquerda não marcha nas ruas contra os imigrantes;

— A extrema-esquerda não achincalha a vida parlamentar;

— A extrema-esquerda não inunda as redes sociais com pontos de vista odiosos sobre as mulheres, os muçulmanos, os negros e os homossexuais (com o truque do humor e do “isto era só uma piada”), notícias falsas, teorias da conspiração, trolling e shitposting.

Fazer estas cinco coisas seria 1) criar desconfiança infundada nas instituições; 2) fomentar um ambiente de hostilidade e agressividade física; 3) alimentar o ódio, a xenofobia e o racismo; 4) fragilizar as instituições democráticas; 5) minar o conhecimento dos outros e impedir um debate produtivo.

A extrema-esquerda não faz isto e, infelizmente, é isso que a extrema-direita faz todos os dias.

Sim, no passado, Mao matou milhões de chineses, Estaline matou milhões de russos, Pol Pot matou milhões de cambojanos.

E, sim, no presente renasceram grupos radicais de extrema-esquerda na Europa, que sobretudo partem montras, mas já fizeram mortos. O relatório da União Europeia Contemporary Violent Leftwing and Anarchist Extremism in the EU tem dados pormenorizados e recentes. Mas isso são acções terroristas, que a UE e a Europol acompanham — como acompanham as acções terroristas da extrema-direita (ver Contemporary manifestations of violent right-wing extremism in the EU).

Este parêntesis não é sobre isso, serve apenas para dizer que os dois extremos, esquerda e direita, não são equivalentes. Fecha parêntesis.

Já agora: os líderes do Chega dizem todos os dias que não têm nada contra os imigrantes, mas não fazem outra coisa senão falar dos imigrantes como uma coisa má, que prejudica o país.

Um amigo que vê muitas coisas diz-me que está a notar uma mudança no discurso sobre os imigrantes. A imigração é uma das coisas que explicam o crescimento do populismo. Os esquecidos da globalização — que ajudaram a eleger Trump, Bolsonaro e a tirar o Reino Unido da União Europeia — estavam pobres, aflitos e frustrados e foi fácil aumentar a sua raiva falando contra os imigrantes. Mas agora o discurso está a ficar menos centrado no imigrante económico e mais no imigrante identitário. “É simplesmente dizer ‘não gostamos’, ‘não queremos pessoas diferentes’.”

Falo dos imigrantes porque se há tema em que a extrema-direita se dedica a impedir um debate produtivo é este.

Argumenta-se que em 2022 os imigrantes em Portugal foram responsáveis por um saldo positivo de 1604,2 milhões de euros da Segurança Social (pagam impostos como os portugueses, mas recorrem menos aos serviços públicos). Ignoram. Argumenta-se que sem os imigrantes alguns sectores económicos entrariam em colapso. Ignoram. Argumenta-se que a tendência é de os estrangeiros terem maior capacidade contributiva do que os nacionais para a Segurança Social. Ignoram. Argumenta-se que a imigração em Portugal é essencialmente laboral e activa. Ignoram. Argumenta-se que os imigrantes fazem trabalhos que os portugueses não querem, precários, mal pagos e arriscados. Ignoram. Está tudo nos relatórios do Observatório das Migrações.

Não estamos a conseguir um debate produtivo — insisto na expressão, que os especialistas usam, porque descreve bem o que está a passar-se. Vai ser um “ano supereleitoral” e não se vêem soluções para o problema da polarização extrema a que chegámos. António Damásio pede há anos uma “vacina contra a raiva”. É fácil pedir. Como para o cancro, difícil é descobri-la.»

.

0 comments: