21.1.24

Não é aceitável que 30% dos jovens estejam fora do país

 


«“As nossas possibilidades económicas são modestas, como modesto é o nosso lugar no concerto dos povos”, escreveu Eduardo Lourenço no livro Labirinto da saudade, sobre a jornada de Portugal entre a consolidação da democracia no pós-revolução e a afirmação enquanto país europeu. A janela da Europa ressignificou o país, arejando-o económica, social e politicamente. Mas também o deixou com vulnerabilidades expostas.

Para desencanto de alguns, antes mesmo de saltar, o país tropeçou. Era 2011, o ano do pedido de ajuda externa, que, fruto das circunstâncias, mergulhou o país em políticas de austeridade.

Com os anos austeros chegaram também ao mercado de trabalho os millennials. Preparados, estudados e convencidos de que após anos a apostar na sua educação, teriam um futuro próspero, ainda sem entender que o manual de instruções que traziam debaixo do braço pertencia a uma máquina que já não existia.

Confrontados com a falta de oportunidades, graduados e munidos de uma mobilidade Schengen, lançaram-se à Europa e ao mundo, extravasando assim o status-quo da emigração portuguesa dos anos 1960 e 1970.

Para surpresa da Europa central a diáspora tinha-se sofisticado. Tinha ido à universidade, trazia uma estética renovada e falava várias línguas. Olhavam agora de igual para igual para os povos que os recebiam, deixando de ser apenas um factor de produção e assumindo o seu papel enquanto agente social e político.

Esta diáspora contemporânea afirmou Portugal como hub exportador de talento qualificado. Assim sendo, durante anos, as nossas universidades abasteceram o Reino Unido de enfermeiros, a Alemanha de engenheiros e a França de fisioterapeutas. O sistema era simples: Portugal formava os jovens e os outros países alocavam-nos à produção de valor. Tínhamos formado a geração mais qualificada de sempre, mas não conseguíamos tirar partido dela.

Os anos passaram, a troika foi-se embora, outras pautas se impuseram e apesar de o êxodo juvenil não ter parado, o assunto foi saindo do debate público. Mesmo que adormecido por uns tempos, foi inevitável o soar dos alarmes por parte de organismos que estudam demografia, como a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que lançou estatísticas e a reabertura dessa discussão necessária. A partir daí, seguiu-se um período caricato onde demógrafos e fundações privadas estavam mais preocupados com políticas para fixar os jovens do que o próprio Governo, que se barricava em programas de regresso de emigrantes, frequentemente usados de uma forma propagandística. Estes programas foram um fiasco, mais um nesta matéria.

Até que pusemos a desgraça na ponta do lápis, fizemos contas e chegamos ao marco de 30% de jovens emigrados, de acordo com os números do Observatório da Emigração. Espero que ninguém nos tente convencer de que o país não falhou. Que ninguém nos venha dizer que não é uma afronta ver o Governo bater recordes de arrecadação fiscal, enquanto o salário dos jovens não dá para o básico. Que ninguém nos venha com uma narrativa que terceirize a culpa de tudo isto.

Apesar de catastrófico, o êxodo juvenil não tem grandes consequências políticas. Estes 30% de uma geração serão, nestas legislativas, cingidos aos círculos eleitorais Europa e fora da Europa que, juntos, elegem quatro deputados num universo de 230. Com certeza, a razão para tanta inércia na resolução deste problema não andará muito longe desta sub-representação política.

Assim sendo, Portugal está a dissolver-se – nos estágios não remunerados, nos baixos salários, nos sonhos adiados, mas também numa cultura que paga mais pelo produto do que pelo serviço transversal a praticamente todos nós. Dissolve-se em olhares e nos comentários discretos de alguns boomers que acreditam que a culpa reside numa nova geração preguiçosa que não compra casa porque gasta dinheiro em viagens e jantaradas.»

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