«Os populismos alimentam-se, entre outras coisas, da extrema desigualdade e do crescente sentimento de privação relativa, mesmo em países onde as remunerações são mais elevadas do que em Portugal.
O trabalho recente de Pedro Magalhães, “Bases sociais das intenções de voto em 2023”, mostra que a probabilidade de intenção de voto em partidos antissistema é mais elevada entre os jovens, os homens e os eleitores com níveis de qualificação média ou superior. Trata-se, aparentemente, de um segmento da população que, tendo beneficiado de recursos educacionais, cuidados de saúde e acesso a bens culturais, tem expectativas de mobilidade social e económica cuja possibilidade de concretização não vislumbra. São segmentos que alimentam sentimentos de frustração e de privação relativa. Comparam a sua situação com a das elites e não encontram caminho ou lugar, nem propostas políticas de esperança.
Falta muitas vezes às elites sensibilidade e compreensão destes sentimentos, manifesta em declarações públicas com impacto. Como, em tempos da austeridade, as de Fernando Ulrich, “Ai aguentam, aguentam!”, e de Luís Montenegro: “A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor”. Ou, recentemente, em tempos de inflação e juros altos, a tirada do governador do Banco de Portugal: “Nós exageramos muito as dificuldades em que nos encontramos hoje. Emprego, salários e consumo nunca foram tão altos como agora”.
Vivemos hoje melhor do que no passado. Quando se compara o país atual com o de há 50 anos, o progresso é extraordinário. Porém, a memória disso vai ficando com os mais velhos, mas mais rarefeita, e diz pouco aos jovens que já nasceram em liberdade. Estes comparam-se mais com os de outros países, hoje, e menos com os do Portugal do passado. Aspiram, por isso, a mais oportunidades, a percursos de mobilidade social. Muito se tem escrito sobre a avaria do elevador social movido pelo aumento dos níveis educacionais. Mas a avaria, se existe, só pode ser reparada com políticas de desenvolvimento económico e de diminuição da desigualdade.
Os líderes populistas continuarão a explorar a frustração social. Incendeiam-na. Arregimentam protestos e insatisfações e instigam o ódio às elites e aos que definem como outros. Cultivam uma irreverência mal-educada, colocam em causa os direitos das mulheres, a proteção social dos mais desfavorecidos, a igualdade social. Desvalorizam os aspetos positivos da vida e generalizam a partir de casos selecionados, pintando um quadro de caos, de “bandalheira”, de corrupção. E, perante tudo isto, propõem soluções na aparência simples, independentemente da sua bondade ou possibilidade de concretização.»
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