4.2.24

Um mundo invisível

 


«As conclusões do Censos 2021 foram cristalinas: a sangria de população no Interior contrasta com o crescimento em apenas dois ou três núcleos urbanos do país. Cerca de metade da população concentra-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e 257 municípios estão a perder residentes desde 1970. Houve algum sobressalto político e cívico com estes dados? Sinceramente, não dei por nada.

O estado de asfixia sentido pelos agricultores tem muitas causas, algumas delas transversais aos parceiros europeus. É o caso das políticas de resposta às alterações clim«áticas, que obrigam a mudar o atual modelo de produção e afetam a rentabilidade, já de si baixa. Há também desequilíbrio e concorrência desleal gerados por alguns programas comunitários. Mas a somar a todos esses fatores temos um particular desinteresse no nosso país pelo chamado mundo rural ou, para usar outro eufemismo, pelos territórios de baixa densidade.

Politicamente, o mundo rural é um tema sobre o qual convém sempre falar (tal como fica bem afirmar o amor ao Interior), mas ao qual têm sido dadas muito poucas respostas de peso. Aliás, até mediaticamente a agricultura tem pouco poder de atração e o léxico de apoios, medidas agroambientais e candidaturas é desconhecido pela grande maioria dos portugueses. O setor é notícia quando há protestos ou quando fatores externos como a inflação a agravar custos de produção nos pesam diretamente no prato.

Os protestos dos últimos dias, que suscitaram imediata reação de uma ministra apagada e sem força política, colocam sobre a mesa duas questões essenciais às quais teremos de dar resposta. Uma é que, se quisermos ter mais qualidade e segurança alimentar, teremos de pagar por isso. Outra, mais vasta e complexa, prende-se com o país assimétrico e desfigurado que somos. A crise na agricultura e o êxodo rural são uma peça de um quadro maior, de um território invisível com um rendimento per capita inferior à média nacional, piores resultados em vários indicadores sociais, acesso difícil a serviços públicos e culturais. De tempos a tempos, lançamos umas lamúrias e promessas. Para que tudo fique tragicamente na mesma.»

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1 comments:

António Alves Barros Lopes disse...

Completamente de acordo.
Não apenas os censos de 2021. Os de 2011. Os de 2001. Os de 1991....
Portugal é um país rural governado por uma elite de mentalidade urbana!
Para o Portugal aburguesado (de burgo) o que se come passou a vir do supermercado e não da terra!
E o desprezo pelo mundo rural reflete-se, até, na crise da habitação. Temos casas a mais. Mas continuamos a construir desenfreadamente e continuamos a queixar-nos da falta de casas!
Está tudo, ou quase tudo em:
https://lopesdareosa.blogspot.com/2010/10/recandidaturas.html