18.3.24

Não há estabilidade se quem governa não a deseja

 


«Carlos Moedas veio, na sexta-feira, avisar que quem criar instabilidade pagará o preço. Ele é a pessoa ideal para dar a tática a Montenegro. Vivendo quase exclusivamente da obra que herdou, apresenta, todos os anos, orçamentos sem disponibilidade para negociar uma linha que seja. Os partidos da oposição conhecem-no 24 horas antes. E a única vez que travaram a sua aprovação, porque as constas estavam erradas e tinham de ser corrigidas, foi a correr para as televisões – onde nunca lida com qualquer tipo de contraditório – para se vitimizar.

Através da chantagem da instabilidade, Moedas governa com a mesma arrogância autossuficiente que lhe poderia ser dada por uma maioria absoluta. Isto, porque o PS de Lisboa, temendo as consequências de uma crise política, se enfiou num colete de forças de que nunca mais conseguirá sair. Há, no entanto, duas diferenças em relação ao cenário nacional: a paralisia da oposição é menos visível para a opinião pública e não existe um Chega forte para tomar o seu lugar na liderança da oposição.

No País, a AD já escreveu o guião: não ceder a ninguém, governar como se não tivesse apenas 29% e mais 0,8 pontos percentuais e dois deputados (os mesmos, se contarmos apenas com o PSD) do que o segundo maior partido (pelo menos até conhecermos os resultados da emigração), distribuir dinheiro para ganhar as eleições. O objetivo não é a estabilidade, é uma queda do governo que permita reforçar rapidamente a sua posição.

Numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, Miguel Pinto Luz já deixou claro que pretende aprovar as medidas do programa da AD sem diálogo, vendo quem tem coragem para as chumbar. Desde a reforma fiscal à da saúde, com fortíssimo pendor ideológico. Quer responsabilizar quem também quiser ser fiel ao seu programa pela instabilidade: “No Parlamento vamos apresentar as nossas medidas e o Chega, a IL, o PS, o Livre, o PAN dirão se estão a favor ou estão contra. Vamos ver o que esses partidos ditos maduros, ditos interessados nos portugueses vão fazer perante esta agenda reformista do PSD.”

Montenegro e Melo, que tiveram pior resultado do que Rio e Rodrigues dos Santos, não pretendem falar com ninguém para garantir a estabilidade porque acham que a estabilidade não lhes interessa. Que líder kamikaze suportaria um governo que tem esta estratégia? Como pode o PS aceitar o papel de ratificador do programa que teve praticamente o mesmo apoio político que o seu? Que distorção da democracia seria esta? Que força isto daria ao Chega, que ficaria a ver de fora, em nome de um falso cordão sanitário, já que o PSD pretende tratar Pedro Nuno Santos e André Ventura da mesma forma: alvos de chantagem para serem, mais tarde ou mais cedo, responsabilizados pela queda do governo.

Não há estabilidade se quem governa não a deseja. Se quem governa tem como modelo um governo que durou pouco mais de um ano – como escrevi na sexta, o sonho do PSD não é que o Chega seja o PRD, é que o PS tenha esse destino. Se quem governa assume que a chantagem da instabilidade é a forma de lidar com os partidos da oposição; se quem governa prepara um conjunto de medidas populares para vencer eleições que espera serem o mais depressa possível, ninguém, no seu perfeito juízo, aceita enfiar-se numa armadilha tão explicita.

O PSD já deixou claro que trabalha para ir a eleições o mais depressa possível. O debate não é de quem ele depende, pois já se percebeu que não pretende depender de ninguém. É quem responsabiliza pela sua estratégia de vitimização.

Não me espanta que Miguel Pinto Luz, que defendeu entendimentos com o Chega (mostrando desrespeito pela nossa inteligência, agora diz que a sua posição mudou porque, entretanto, o Chega se radicalizou), esteja na primeira linha desta estratégia. Ela é, na realidade, a mesma que tinha antes: tratar todos por igual, para exercer o poder sem qualquer baia política ou ética. A função da extrema-direita para a direita é esta, em quase toda a Europa. Como se vê nos Açores (guardaram o que todos sabíamos para depois das eleições), já não há qualquer cordão sanitário. O "não é não" é instrumental.

Se o PSD não pretende negociar com ninguém, se o programa de governo será o programa de um partido com 29% que venceu com uma vantagem inferior a um ponto percentual; se um partido que tem os mesmos deputados que o maior partido da oposição pretende governar como se tivesse a maioria absoluta, de que estamos a falar quando falamos do risco de dependência do PSD em relação ao Chega? Não vai depender de ninguém para responsabilizar todos.

Se o PSD será o mais beneficiado pela instabilidade política deveria ser o mais pressionado para dar garantias de estabilidade. Mas, na comunicação social, o único partido a quem ninguém exige garantias de estabilidade é ao que vai liderar o governo.»

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