22.3.24

O elefante na loja da estabilidade

 

@João Fazenda 

«O Presidente da República adora estabilidade. Sempre que dissolve o Parlamento, é em nome da estabilidade. Quando envia um recado pela imprensa, sem dizer que é ele mas de modo a que toda a gente perceba que é, fá-lo em nome na estabilidade. A estabilidade está sempre acima de tudo. Por exemplo, a única maneira de obter estabilidade era convocar eleições. Mas a ânsia por estabilidade é tal que o Presidente começou a reunir com os partidos ainda antes de serem conhecidos os resultados das eleições. É o equivalente a dizer: não há nada para comer, e por isso tenho de ir ao supermercado, mas vocês comecem a jantar antes de eu chegar com as compras. Isto depois de ter dissolvido o frigorífico, que estava cheio. E de ter dito ao Expresso que o supermercado devia ter as prateleiras organizadas de outra maneira. Pugnar pela estabilidade dissolvendo parlamentos e enviando recados pelo jornal é como proteger o sono das pessoas andando pela cidade entre a meia-noite e as oito da manhã a gritar: “Tudo calado, por favor! Que ninguém pense em fazer ruído! Há gente a dormir! Pouco barulho! O silêncio é muito importante!”

Creio que as diligências de Marcelo vão acabar por resultar. Em primeiro lugar, se o plano é fazer com que os portugueses partilhem o seu amor pela estabilidade, o objectivo foi conseguido. Julgo que, por causa de Marcelo, todos damos muito mais valor à estabilidade. Em segundo lugar, o país está, de facto, cada vez mais estável. A nossa democracia parece, aliás, caminhar para um estado de estabilidade sem precedentes, como aqueles pacientes que, após alguns percalços médicos, ficam finalmente estáveis. E é altura de os levar para a morgue.

Tenho pensado muito naquela velha anedota judaica. Um judeu está na sinagoga a rezar: “Senhor, por sermos o Teu povo escolhido já sofremos perseguições, pogroms, o Holocausto... Importas-Te de escolher outro povo, agora?” Creio que, tendo testemunhado todo o esforço que Marcelo tem feito em nome da estabilidade, é possível que os portugueses gostassem que, nos próximos tempos, o Presidente descansasse um pouco. Adorámos a estabilidade, sr. Presidente. Vamos agora experimentar um bocadinho de caos, só para percebermos a diferença.»

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