«Numa conversa com Maria João Avilez sobre o período da troika, Pedro Passos Coelho voltou, pela terceira vez em dois meses, ao palco político. Apesar de dizer que fala pouco para não “haver grande condicionamento do partido”, é o que tem feito de forma insistente e sempre com estrondo e estrago. Como amigos como este, Montenegro não precisa de inimigos.
A primeira farpa que deixou é justa. Depois de recordar que Rui Rio foi oposição interna e que o seu distanciamento em relação à forma como lidou com a intervenção externa sempre foi evidente, o ex-primeiro-ministro recorda que "Luís Montenegro faz parte dessa herança” e que até deve a sua notoriedade no partido ao papel que então cumpriu. E conclui: “a mim parece-me que foi muito evidente nos últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar.” Isto, apesar de Passos, de forma discreta, o ter apoiado.
Montenegro afasta-se porque, ao contrário do que a direita nos tentou vender nestes anos, nem ela alguma vez acreditou no valor político e eleitoral de Passos Coelho. O país que faz uma avaliação positiva do trabalho de Passos no período da troika é o que lhe deu 38,5%, em 2015. Chegou-lhe para a PàF vencer, porque foram juntos e não havia alternativas no seu campo. Mas foi o segundo pior resultado de sempre da direita portuguesa, logo depois de Santana Lopes. Passos sempre foi um péssimo candidato. Quem achava o oposto viveu na bolha que não sentiu os efeitos profundos e traumáticos da crise financeira e as coisas absurdas que ele disse aos portugueses enquanto sofriam.
A outra parte interessante da entrevista é a pequena vingança de Passos Coelho contra Paulo Portas. Diz Passos Coelho que "o CDS várias vezes mostrou falta de solidariedade pública", que "o doutor Paulo Portas não tinha uma noção realista de qual era o limite das nossas possibilidades” e que um e outro "se convenceram que não defendíamos o interesse do país junto da troika". Que Paulo Portas não é confiável, todos sabemos. Mas também é inteligente e tem experiência política. Percebia que não se é comparsa de quem está a intervencionar um país. Que representavam interesses nem sempre alinhados com os nossos. Serão, na melhor das hipóteses, um mal necessário.
O episódio contado por Passos, que a troika terá exigido que as cartas com os compromissos do governo passassem a ser assinadas pelo ministro Paulo Portas, exibe uma falha de caráter e é um elogio a Portas. Falha de caráter porque depois de dizer que não revelou este episódio (nem ao próprio) para evitar a sua humilhação pública, tenta humilha-lo agora, mostrando que as suas recorrentes aparições são motivadas pelo ressentimento. O pedido era abusivo (o que não espanta), porque os representantes da troika se envolviam nos assuntos internos do governo. Tiveram a cumplicidade do primeiro-ministro que o escondeu de um parceiro partidário. À deslealdade de então, juntou a deselegância de agora.
E é um elogio a Portas por tornar evidente que o líder do CDS tinha a consciência que faltava ao primeiro-ministro: que a troika não era composta por amigos, mas por instâncias com quem era preciso negociar, por vezes com firmeza. Se exigiam a assinatura de Portas era porque Portas tinha a resistência que faltava a Passos. E o CDS tinha a autonomia que todos percebem que perdeu, mesmo voltando a ser parceiro formal de coligação. Portas não era, como Melo, um mero partner do primeiro-ministro. E os senhores da troika sabiam.
A defesa quase acrítica que Passos faz da troika, nesta entrevista, não deve ter paralelo em políticos que lideraram países intervencionados. E dá razão às resistências de Portas, que o próprio Passos Coelho relata. Passos até reconhece que, não querendo atingir metas mais ambiciosas do que as constantes nos memorandos, aproveitou este momento para privatizações e reformas que não eram obrigatórias.
Fica claro, aliás, que devemos ao Tribunal Constitucional o recuo nas medidas mais cruéis, com negociações e cedências. Mas, ainda hoje, Passos acha que "não podia estar a negociar com a troika condicionado ao Tribunal Constitucional", não percebendo que, pelo contrário, esse condicionamento institucional poderia ter sido usado como arma negocial, como um constrangimento externo à sua vontade. Se ele quisesse ser mais do que um executante de imposições externas, claro.
Assumir que Luís Montenegro não quis ter o passismo como legado e que é um elogio a Portas este não ter a confiança da troika implica assumir que o valor político de Passos nunca foi o que se dizia e que nem sempre defendeu os interesses do país. E isto destrói a retórica dos últimos oito anos. Passos não é o herói que salvou o país – foi Draghi que pôs fim à cegueira europeia que nos enfiara naquele buraco. É um ativo tóxico. Sempre foi assim que a maioria do país o viu. E a direita mais informada sempre o soube. E, ouvindo a entrevista, percebe-se que pouco mudou. Este é o mesmo Passos de 2011, só um pouco mais ressentido.»
.
0 comments:
Enviar um comentário