20.5.24

O Estado, a ANA e a Lusoponte entram num bar

 


«Tenho um amigo que costumava dizer que tinha uma solução para a localização o novo aeroporto de Lisboa: abrir o mapa da região de Lisboa, fechar os olhos e atirar uma moeda. Onde caísse, ali se faria a construção. Era uma boa anedota porque dava conta da exasperação dos portugueses com a incapacidade das nossas elites políticas em tomar decisões quando estão em causa múltiplas pressões e interesses contraditórios.

Com a chegada do novo Governo da AD, temiam-se novos capítulos na longa novela sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa. Parecia outra boa anedota: ainda na oposição, Montenegro tinha anunciado um grupo de estudo do PSD para estudar o estudo da Comissão Técnica Independente – que, por sua vez, tinha nascido depois da reversão da decisão de localização do então Ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, por António Costa.

Mas, helás, Montenegro e Pinto Luz decidiram mesmo e acabaram por repetir em 2024 a escolha feita há década e meia pelo então Primeiro Ministro José Sócrates – Alcochete. E, depois de quase um quarto de século sem investimentos em infraestruturas de vulto, não há fome que não dê em fartura e o Governo da AD anunciou igualmente avançar com a 3.ª travessia do Tejo e a alta velocidade na ferrovia. Há hoje poucas dúvidas de que são investimentos muitíssimo necessários e que, aliás, já vêm atrasados.

Pode não parecer, mas a decisão de lançamento de novas infraestruturas de transporte é a parte fácil desta empreitada. Agora é que começa o verdadeiro teste – a negociação com os privados. Com a ANA, a feliz concessionária por 50 anos dos aeroportos nacionais em regime de monopólio. E com a Lusoponte, a empresa beneficiária do monopólio das travessias rodoviárias sobre o Tejo.

À direita diz-se muitas vezes que o Estado é mau gestor. Há múltiplos exemplos que desmentem esse mito: a Caixa Geral de Depósitos, os CTT lucrativos e com qualidade de serviço antes da privatização, a TAP nos últimos anos, etc. Na verdade, o que a evidência sólida e consistente nos mostra é outra coisa. O Estado Português é antes tendencialmente incompetente e incapaz quando negoceia com privados.

Na nossa longa história de privatizações, o prémio de pior negócio para o Estado é um concurso muito disputado. Na última década lembremos as privatizações do BPN, da EDP, a venda da REN, dos CTT ou as negociações/renegociações das PPP rodoviárias – temos múltiplos concorrentes de peso para o lugar de qual a privatização que mais prejudicou o interesse público. Mas sabemos hoje que o negócio de concessão em regime de monopólio dos aeroportos nacionais, feito em 2012 pelo governo do PSD-CDS, é uma das privatizações mais desastrosas da nossa história. A recente análise do Tribunal de Contas é arrasadora sobre a opacidade dos procedimentos no apuramento do valor dos ativos, da escolha do concessionário e a forma notória como o interesse público foi prejudicado. Com este milagroso negócio, a ANA conseguiu pagar o seu investimento inicial em apenas dez anos com os resultados da própria operação. Um caso com semelhanças evidentes com a Lusoponte, que em pouco mais de uma década já tinha recebido o dobro do investimento na Ponte Vasco da Gama em pagamentos do Estado e receitas das portagens.

Aqui chegados, e lançados pelo Governo da AD numa nova ronda de negociações com privados, vale a pena assinalar que quem vai lidar com os concessionários não tem propriamente um currículo brilhante na negociação com os privados. O actual ministro das Infraestruturas esteve diretamente envolvido na privatização da TAP em 2015, um negócio sobre o qual permanecem suspeitas de que o investidor fez a capitalização inicial através de um esquema que lhe permitiu usar o dinheiro da própria TAP. Há vários anos que aguardamos uma investigação desse negócio. Infelizmente, o Ministério Público tem estado demasiado ocupado com as 82 mil escutas a João Galamba, para apurar que lhe pagaram dois almoços. Os magistrados não têm tido disponibilidade. Note-se que o mesmo governo PSD-CDS fez também a privatização da Groundforce, que foi também paga, tarde e a más horas, com os lucros operacionais da própria empresa.

Enfim, talvez se desenhe aqui um padrão. Nos negócios com os privados, o Estado torna-se subitamente incompetente e incapaz, fazendo sucessivos negócios que prejudicam o interesse público. Arreganhemos os dentes.»

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