5.8.24

37 que são 120 milhões

 


«Os Jogos Olímpicos (JO) são geralmente notícia pelas medalhas (ou a sua escassez) ou pelas polémicas, mais ou menos estéreis, que se esfumam rápida e inconsequentemente. Como a alegada paródia à última ceia de Jesus (que afinal era uma recriação da mitologia grega com Dionísio), as acusações de que a pugilista Imane Khelif é trans (quando nasceu e sempre viveu como mulher, ainda que tenha níveis de testosterona elevados) ou as suspeitas sobre o tempo conseguido pelo nadador chinês Pan Zhanle, que retirou 40 centésimos de segundo ao anterior recorde mundial também fixado por ele. Certamente alheia a controvérsias balofas, a pugilista Cindy Ngamba fez história ontem, ao garantir a primeira medalha para a Equipa dos Refugiados Olímpicos. Nascida nos Camarões há 25 anos, vive no Reino Unido e integra a equipa de 37 atletas refugiados que estão a competir em 12 modalidades.

A comitiva deste ano é liderada por Masomah Ali Zada, que despertou a ira do regime afegão por andar de bicicleta, a ponto de ser apedrejada quando pedalava nas ruas de Cabul. Fugiu para França, onde estuda engenharia e cumpre o sonho de praticar ciclismo de alta competição. Outra das estrelas desta equipa é o queniano Dominic Lobalu, muitas vezes comparado com o somali tetracampeão olímpico Mo Farah, que foi a sua inspiração para se entregar ao atletismo. O atual campeão europeu dos dez mil metros vai correr os cinco mil metros e quer conquistar uma medalha olímpica.

É a terceira vez que os JO acolhem desportistas de elite que tiveram de fugir dos seus países, dignificando a tradição olímpica de cultivar a paz e a amizade entre os povos. “Permite-nos chamar a atenção e compreender a realidade global de que 120 milhões de pessoas, ou uma em cada 69 pessoas em todo o Mundo, foram forçadas a fugir das suas casas”, justifica Jojo Ferris, diretora da Fundação Refúgio Olímpico.

A medalha de Cindy Ngamba é a primeira da equipa, mas é muito mais do que isso. Porque os 37 atletas em competição representam os 120 milhões de vidas invisíveis que o Mundo quer esquecer.»


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