Vasco Gargalo
«Quando, em 2021, os talibãs recuperaram o poder no Afeganistão, 20 anos depois de terem sido derrubados por uma coligação liderada pelos EUA, e juraram que desta vez seria diferente, que as meninas iam poder ir à escola, que o uso do hijab seria apenas aconselhado, que não haveria discriminação de mulheres no âmbito da sharia (a lei islâmica), o mundo ocidental desconfiou.
O ceticismo não tardou a provar-se justificado. Meses depois, as meninas foram proibidas de frequentar escolas secundárias e universidades, as mulheres impedidas de trabalhar e viajar sozinhas, as apresentadoras e jornalistas televisivas intimadas a cobrir o rosto. E os talibãs estavam só a começar. Três anos depois do seu regresso ao poder, a lista de retrocessos é impressionante.
Salões de beleza encerrados, afegãs perseguidas e torturadas, a mulher totalmente arredada da vida pública, um apartheid de género brutal. No ano passado, um relatório com a chancela da Amnistia Internacional classificava mesmo a perseguição de género no Afeganistão como um crime contra a humanidade.
O próprio Parlamento Europeu aprovou, em março, uma resolução que apelava à criação de um mecanismo de investigação independente das Nações Unidas a este propósito. Mas o ímpeto opressivo e segregador do regime talibã (que até hoje não foi reconhecido por nenhum país do Mundo) não conhece limites.
Agora, as autoridades ratificaram uma lei moral que reforça a repressão de mulheres e raparigas. Graças ao artigo 13, anunciado por um aberrante “Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício”, as mulheres ficam impedidas de cantar, falar ou sequer ler em público. Além de se reforçar que não podem ter uma nesga de pele à vista.
“Asseguramos que esta lei islâmica será uma grande ajuda na promoção da virtude e na eliminação do vício”, vincou o porta-voz do dito Ministério. Parece saído de um filme delirante, mas não, é real e está a acontecer em pleno século XXI. A lei reflete “uma visão desoladora do futuro”, reconheceu a missão das Nações Unidas no Afeganistão.
Mas o indizível atentado às mulheres afegãs prossegue, à vista de todos, e perante a confrangedora inércia da comunidade internacional. Até quando? E nós - que apesar de ainda termos uma longa luta pela frente no que à igualdade de género diz respeito, gozamos, pelo menos, do pleno direito de erguer a nossa voz bem alto -, vamos continuar a fingir que não é nada connosco?»
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