30.8.24

Quem lhe leva os seus fantasmas?

 


«Ninguém é proscrito para o exercício de qualquer cargo público. Mesmo quando as escolhas são alvo das maiores críticas, tal não acontece, certamente, pelo facto de se ter enterrado o nome de alguém numa sepultura, como se alguns lugares estivessem em zona interdita em razão da mera opinião. Não, a escolha de Maria Luís Albuquerque para comissária europeia não é uma questão pessoal que se envolve numa competência técnica. É uma questão de escolha política, com eminentes responsabilidades e consequências políticas e que dão conta de uma opção com passado, tronco e membros. E de um prémio-incentivo à lubrificação das portas giratórias.

Quando os gregos se lamentavam pelo facto dos governantes portugueses serem mais germânicos do que a Alemanha na protecção e defesa da política de austeridade europeia, referiam-se à então ministra de Estado e das Finanças de Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque. A mesma ministra que saía do governo para a “Arrow Global”, o fundo que - à sua medida - governava a desgraça em Portugal pela compra de crédito malparado e pela ruína do Banif. Sendo porta-estandarte da bandeira do empobrecimento como remédio para a resolução da crise das dívidas soberanas, a ex-ministra recebe agora um encargo de Luís Montenegro, um estranho ajuste de contas que lhe permitirá prosseguir na Europa as suas políticas em especulação, as que entretanto se provaram erradas, injustas e discriminadamente apontadas a quem não tinha defesa possível.

Mas os escombros não ficam só lá atrás. Ainda jazem destroços do “Século de escombros”, livro do deputado da extrema-direita Mithá Ribeiro, que Maria Luís Albuquerque apresentou recentemente com garbo, mesmo sabendo ser dedicado a Donald Trump, Jair Bolsonaro e à Nova Direita Europeia, representando o pior que as novas demagogias têm para oferecer à política. E surge a manobra do afastamento, lembrando versos de Abrunhosa por aproximação. Luís Montenegro parece lidar com a presença de Passos Coelho colocando os seus activos bem longe da vista ao mesmo tempo que passa amaciador nas ambições internas. Montenegro já não devia ter razões para acreditar que o fantasma de Passos Coelho povoa os seus dias. Mas, com esta decisão, continua a olhar para ele através das frinchas das portas que giram.»


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