5.9.24

Ainda a macabra “photo opportunity”

 


«É natural que o Estado se faça representar nos momentos difíceis do país através daqueles que elegemos. A presença do primeiro-ministro no centro de comando das operações faz todo o sentido e ainda mais a presença no funeral das vítimas. Criticou-se, aliás, a ausência de Miguel Albuquerque quando o fogo devorava a Madeira. Andar de bote no meio das buscas é absurdo.

A escolha do tempo e do modo em que os representantes políticos se fazem notar depende de bom-senso e respeito pelos cidadãos. O tempo e o modo que Luís Montenegro escolheu, na última sexta-feira, nas águas do rio Douro, não são apenas desastrados. Revelam o clima de pré-campanha que, desde o dia em que este governo tomou posse, se vive em São Bento.

As forças de busca e salvamento estavam a fazer o seu trabalho e todos os meios disponíveis eram necessários. A presença do primeiro-ministro no local, absolutamente desnecessária, só poderia acontecer na condição de não perturbar os trabalhos.

Não ia, no bote onde seguia o primeiro-ministro, qualquer jornalista. Nem sequer um assessor. Apenas um segurança. Como é evidente pelas imagens, foi ele que tirou a foto que mais tarde foi distribuída à comunicação social. Pelas imagens, percebe-se que é impossível Luís Montenegro não se ter apercebido que estava a ser fotografado. Pela função do “fotógrafo”, é impossível que lhe tivesse tirado uma fotografia sem que tal lhe fosse solicitado. Um agente de elite da PSP foi levado a extrapolar as suas funções, que não são de assessoria de imprensa.

A única razão para Luís Montenegro ter resolvido andar pelas águas do Douro foram esclarecidas pelo próprio, ao fazer-se fotografar no momento e mandar divulgar a fotografia. Na política há encenação e as oportunidades fotográficas fazem parte da comunicação. Os limites são os do bom gosto, da decência e do respeito pelo sofrimento dos outros. E, já agora, da neutralidade das forças de segurança, que não devem ser usadas para fins políticos.

Montenegro ultrapassou largamente todos esses limites. O episódio, já com uma semana (outros assuntos se interpuseram), só tem valor porque diz mais do que o próprio episódio. Revela o estado de espírito que domina a cúpula deste governo e o próprio PSD. Luís Montenegro ainda se vê como candidato a primeiro-ministro, não como líder de um governo em funções. Tudo é campanha. Essa é a parte que, terminado o estado de graça imposto pela comunicação social, iremos perceber crescentemente: por baixo da fina camada de verniz feita da gravitas do poder recente e do silencio autoimposto, Montenegro não é maior do que sempre foi.»


1 comments:

niet disse...

O que diria Joana Amaral Dias desta foto feita sem rede? O nosso PM é um homem de caras bonitas,ao
contrario do PR Marcelo por blindado juramento de castidade. Karl Kraus escalpelizou o narcisismo e a vai-
dade como mecanismos essenciais para a destreza de um escritor corajoso e um politico aventureiro. Niet