9.9.24

La démocratie, c'est moi

 


«Macron prefere aliar-se a Le Pen, tendo os republicanos como casamenteiros, a um governo de esquerda. Passou anos a pedir o voto à esquerda para salvar a França da extrema-direita. Quando o poder lhe foge, pede o voto da extrema-direita para salvar a França da esquerda. Nunca foi a França que esteve em causa, mas o seu poder. Quando sentir que a França está no ponto, Le Pen deixará cair o governo. Ainda ouviremos Macron pedir o voto da esquerda para voltar a salvar a França da extrema-direita.

Sem uma alternativa a quem ficou em primeiro – a direita tradicional e o macronismo não conseguem maioria juntos –, seria evidente que só a coligação de esquerda tinha legitimidade para ser chamada a liderar um governo, como aqui foi o PSD. Quem fica em primeiro não tem de governar. Mas a condição para tal não acontecer é haver uma alternativa maioritária.

Derrotado, Macron passou dois meses a arrastar umas negociações em que tudo dependia, na realidade, da sua decisão solitária. O seu primeiro objetivo era desfazer a NFP, para que parte dela se aliasse ao desgastado macronismo. Nem um governo da NFP sem ministros da França Insubmissa (maior força da coligação de esquerda), proposto por Melenchon, foi aceite. O homem que dissolveu o parlamento sem qualquer crise, lançando a França na ingovernabilidade, recusou-se a dar posse a uma primeira-ministra da NFP em nome, veja-se bem, da “estabilidade institucional”. Para Macron, a estabilidade e a democracia começam e acabam nele.

O objetivo do Presidente nunca foi ter um governo estável, sempre foi matar no ovo qualquer alternativa política à extrema-direita que não passe por ele ou pelo seu partido. Foi o que tentou nas eleições e falhou. Tentou de novo, depois da derrota, ignorando o voto dos franceses.

Como Presidente, Macron tem o poder de escolher primeiros-ministros, não tem a prerrogativa de exigir o fim de coligações eleitorais determinadas pelos partidos e sufragadas pelos eleitores. Na sua longa caminhada egocêntrica, Macron aproveitou um momento de fragilidade da democracia francesa para desfazer o sistema partidário, moldando-o à sua imagem. Depois quis usar os poderes presidenciais para determinar as alianças partidárias, incluindo as pré-eleitorais. Só que a heterogénea coligação de esquerda manteve-se firme e Macron falhou.

Derrotado mais uma vez, foi buscar o primeiro-ministro ao quarto partido, com 8%. Michel Barnier nem sequer participou na “frente republicana” que fez eleitores de esquerda e direita votarem nos candidatos melhor colocados para derrotar a União Nacional. E isso conta para poder vir a ter o apoio de Marine Le Pen.

Sou um parlamentarista e defendo que a legitimidade de qualquer governo que consiga maioria no parlamento. Quem fica em primeiro não tem de governar. É raro, nesta lógica, ir-se buscar um primeiro-ministro a um partido que teve 8%. Ainda assim, é legitimo fazê-lo se essa pessoa agregar mais de 50% dos deputados. O que não é legitimo é substituir uma minoria que ficou em primeiro por outra minoria. A não ser, claro, que o argumento seja que macrnonistas e republicanos juntos valem mais do que a esquerda francesa. Quem o diga, em Portugal, terá de defender que deveríamos ter um governo do PS com o BE, o PCP e o Livre, como chegou a defender Rui Tavares. Não foi a posição de mais ninguém. Nem a minha, porque, do meu ponto de vista, o único critério que passa à frente da vitória é a incontornável capacidade de construir uma maioria.

Essa maioria existe em França? Aparentemente, pode vir a existir. Com a União Nacional. É bom dizer que se Emmanuel Macron quisesse uma solução maioritária de outro campo, bastaria o seu partido para a garantir a quem venceu. Mas prefere aliar-se a Le Pen, tendo os republicanos como casamenteiros, a viabilizar um governo de esquerda. Macron passou estes anos a pedir o voto à esquerda para salvar a França da extrema-direita. Quando o poder lhe fugiu das mãos, pede o voto da extrema-direita para salvar a França da esquerda. Na realidade, nunca foi a França que esteve em causa. Apenas o seu poder.

Não se enganem. Le Pen não é bengala de ninguém. Quando sentir que as coisas estão boas para a União Nacional, provavelmente próximo das presidenciais, deixará cair o governo que depende em absoluto da sua vontade. Nessa altura, ouviremos Macron e os seus amigos a pedir o voto da esquerda para voltar a salvar a França da extrema-direita. Macron usou o fantasma da extrema-direita para crescer. Agora, usa os votos das extrema-direita para se segurar ao poder depois da derrota eleitoral. É um narcisista sem princípios que destruiu o sistema partidário francês e que está a destruir a democracia francesa.»


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