Nuno Veiga
«”O PS tem uma responsabilidade acrescida por ser responsável pelo caos nacional”. Foi desta forma bizarra que o líder parlamentar do PSD convidou os socialistas para o diálogo. É assim há meses: os convites para a negociação são acompanhados pela agressividade típica das campanhas eleitorais, quando os consensos são naturalmente impossíveis. Com o guião revelado logo depois das eleições, só é enganado quem quer: ou o PS se anula, ou vai-se a votos de novo.
O governo avançou com um programa fiscal radical e iníquo que atenta contra a progressividade do nosso sistema e concentra benefícios numa minoria de jovens privilegiados. Minou boas reformas em curso, afastando os quadros que as lideravam. Resumiu a governação à comunicação, apresentando sucessivos e vagos pacotes. Depois de ter lançado um falso alarme sobre a saúde das contas públicas, começou a distribuir dinheiro centrada em setores com mais peso eleitoral, sem que a isso corresponda a um programa político coerente ou uma planificação da despesa (acompanhada por perda de receita) que não se baseie no milagre económico da descida do IRC.
O peso orçamental e a centralidade que o governo dá ao IRS Jovem e IRC para justificar a recuperação da economia que cobrirá a perda de receita e o aumento da despesa obriga a que quem viabilize essas duas medidas viabilize o OE. O PS não pode aceitar ser mero ser retificador de decisões do PSD, Chega e IL. Se o PSD quer o voto do PS, não tem espaço para este caminho. Se tem espaço para este caminho com o voto do Chega e da IL, a eles deve pedir o voto para viabilizar o Orçamento de Estado.
Nada indicia um interesse em negociar ou uma perspetiva de governar a longo prazo. Apenas um cerco ao PS para o responsabilizar por novas eleições e a criação de boas condições para ir a votos. Por isso, a pressão sobre o PS, nestas circunstâncias, só pode ter um de dois objetivos: tirar poder negocial aos socialistas, obrigando-os a aceitar quase integralmente o programa da direita, ou criar o ambiente para o responsabilizar pela crise política. No caso de viabilizar um Orçamento nos seus antípodas, Pedro Nuno Santos transformar-se-ia num novo António José Seguro. No caso de chumbar o Orçamento, os riscos seriam enormes.
Se as pessoas responsabilizassem o PS pela crise e este perdesse as eleições, o PSD reforçaria a sua posição e até poderia conquistar uma maioria com o seu pequeno clone, a IL. E Pedro Nuno Santos seria afastado. Se os eleitores responsabilizassem a AD e o PS vencesse, a sua situação, com uma maioria de direita, seria ainda mais insustentável do que a de Montenegro. Pedro Nuno Santos sabe que o PS precisa de uma cura de oposição para vencer o cansaço dos eleitores, recuperar voto jovem e afirmar a nova liderança. Mas não pode aceitar que esse cálculo torne o PS numa inutilidade política.
A AD sabe que, desde que consiga responsabilizar o PS pela crise, a probabilidade de vencer e se reforçar é alta. Por isso, quanto mais se percepcionar, com uma campanha prévia nesse sentido, que a responsabilidade de um chumbo ou de uma aprovação do Orçamento é do PS, e não do governo, mais o PSD procurará essa crise porque mais essa crise lhe será favorável. A pressão sobre o PS não vem, portanto, de quem busca a estabilidade, mas de quem procura o cenário mais favorável para a direita ir já a votos, com medidas populares frescas e sem ter de lidar com as suas consequências. Repetir 1987, como nos foi explicado vezes sem conta. Quem quer estabilidade pressiona o único partido que ganharia alguma coisa com eleições e tem, por isso, menos interesse a negociar: o PSD.
O governo fala dos deveres de quem se limitou a não aprovar a moção de rejeição ao seu programa (diferente de aprovar um programa), mas nunca assume a responsabilidade de quem aceitou ser indigitado sem ter maioria: a de trabalhar para as condições para governar. A forma como o governo se recusa a dar informação ao PS sobre a receita prevista, exigindo que este assine por baixo a fezada do efeito milagroso da descida do IRC, não é de quem procura um ambiente favorável à negociação. Mesmo no arranque das supostas negociações, o discurso de Montenegro, colado a um vergonhoso oportunismo nas águas do Douro (talvez dedique outro texto a este momento triste), foi de pré-campanha.
A culpa é do Presidente da República Deveria ter sido ele a exigir negociações prévias à indigitação. Marcelo, como Montenegro, apostou na chantagem sobre o PS. E o PS pôs-se a jeito, caindo na armadilha de uma inusitada negociação prévia do OE, que normalmente se faz depois da sua apresentação. Como se vê, não passa de uma armadilha.
Com tudo a seu favor, a começar pelo ambiente mediático, a AD parte para esta suposta negociação impondo condições que são, elas próprias, a negação de uma negociação. Não dá informação que permita fazer propostas e construir consensos. Não aceita que ela belisque os elementos essenciais do seu programa, que obteve 29% dos votos. E exige que a oposição se abstenha de propor alterações de monta na especialidade. Quer uma oposição mais neutralizada do que se houvesse uma maioria absoluta. A ideia de que o PS negoceia previamente um orçamento que está bloqueado a mudanças estruturais e está impedido de fazer alterações na especialidade que incomodem o governo é a evidência de que nada está, realmente, a ser negociado. Está a ser preparada uma humilhação política ou a responsabilização do PS por uma crise.»
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