@A. Cotrim
«Não há como não perceber a clareza com que Pedro Nuno Santos iniciou as negociações para o Orçamento de Estado. Começou por dizer, como é habitual em processos negociais, quais são as suas linhas vermelhas. Há duas medidas que não podem contar com a sua anuência: o novo modelo de IRS Jovem e descida cega do IRC. O PS é contra elas pela sua iniquidade, ineficácia e irreversibilidade.
O IRS Jovem é injusto entre gerações. Como defender que um trabalhador de 36 anos com as mesmas funções, competências e qualificações ganhe muito menos do que o seu colega com 35? As empresas resolverão esta injustiça, insustentável dentro da mesma organização, baixando o salário bruto de entrada, garantindo assim salários líquidos iguais para quem está na mesmíssima situação. O que quer dizer que, para a empresa, será financeiramente mais interessante ter um trabalhador com menos de 35 anos. O que fará dos 35 anos os novos 50, sendo sempre preferível substituir um trabalhador mais velho por outro mais novo, agravando um dos principais fatores para os jovens emigrarem: a falta de perspetiva de carreira.
O IRS Jovem também é socialmente regressivo entre os jovens, como explicaram várias consultoras. Abaixo de 1500 o sistema atual é melhor. A poupança para quem ganha pouco é mínima ou nula, a para quem ganha 6000 euros é de 20%. Seria das medidas mais regressivas que um governo alguma vez teria aplicado. Modelar isto? É ficar com o IRS Jovem que existe, que é a versão modelada do que se pretende – também com resultados nulos em relação à emigração, já agora.
É totalmente ineficaz para evitar a emigração. Os jovens emigram para países onde o salário liquido é bem maior do que o nosso salário bruto. Isto só se muda com a alteração do nosso perfil de especialização económica. Não se seguram jovens engenheiros apostando no turismo, onde se empregam imigrantes menos qualificados. Os jovens emigram por ausência de perspetivas de carreira, baixos salários ou inadequação das empresas à especialização deste tempo, não por causa do IRS. Emigram, aliás, para alguns países onde vão pagar mais IRS do que aqui.
Como explicou o Conselho de Finanças Públicas, é uma medida ruinosa, que conseguiria a proeza de, apesar da situação económica previsivelmente favorável, trazer de volta o défice, em 2026. E é uma medida muito provavelmente inconstitucional, pela desigualdade fiscal com base na idade e não na carreira cinsmtrubutiva.
Quanto ao IRC, a sua descida cega e sem objetivos não passa de uma fezada sem qualquer base, que resultará numa perda fiscal que só por coincidência corresponderá a um aumento da receita. Como já explicou Susana Peralta, o IRC baixou em 2014 e 2015, a receita só aumentou em 2015 e isso não aconteceu por causa da diminuição do IRC, mas apesar dela. Portugal saía de uma crise prolongada e as empresas a aumentarem os seus lucros, o que levou ao crescimento da receita fiscal. Não há nenhuma relação de causalidade verificável. E é muito dinheiro. E sempre que falam dos efeitos desta descida – da criação de emprego ao reinvestimento – dão razão à critica que lhe é feita: o IRC só pode ser eficaz se for direcionado.
Porque são linhas vermelhas? Por ser de muitíssimo difícil reversão. Isto é mais verdade no IRS Jovem do que no IRC. É politicamente impossível para qualquer governo voltar a triplicar os impostos para quem tenha menos de 35 anos, tenha sido essa redução sentida pelo trabalhador ou pela empresa. Pelo contrário, a pressão vai ser oposta: quando qualquer contribuinte passar dos 35 anos para os 36 o brutal salto fiscal vai-se sentir no seu bolso ou no da empresa. Os mais velhos vão começar a pressionar, por uma questão de justiça, para impostos iguais. Isso não se fará subindo brutalmente impostos dos mais jovens, só possível em momentos de enorme e crise, mas baixando os dos restantes. O que implica uma redução de tal forma significativa do IRS que o Estado Social se tornaria inviável e muitíssimo menos progressivo.
Esta medida é um Cavalo de Troia para uma mudança radical, permanente e estrutural do nosso sistema. Se o PS a viabilizar por cálculos circunstanciais estará a condenar o futuro do país e do Estado Social muito para lá deste governo. Seria irresponsável.
Apesar do efeito e natureza semelhantes, não estou convencido que o mesmo se possa dizer do IRC (que apenas beneficiará grandes empresas que não precisam de qualquer apoio público e não atrairá qualquer outra), pelo menos com a mesma intensidade. Nem que o PS tenha muito espaço de manobra político para fazer uma campanha em torno do IRC como razão para a queda do governo.
Embrenhado na tática, o governo haverá de propor um novo modelo do IRS Jovem, mantendo o essencial do que o torna impossível de aprovar. Ou tentará integrar parte das propostas apresentadas como proposta de destino a dar a este dinheiro, ignorando que se trata de uma alternativa. Quem esteja a olhar para isto de boa-fé perceberá que tudo é muito simples: se cair o IRS Jovem, dificilmente não teremos Orçamento de Estado. Se cair o IRC ele já está viabilizado. Se isso não acontecer, sabemos que a AD quer eleições.
Com a ideia absurda que o chumbo de um Orçamento de Estado passa a corresponder a uma moção de censura – só aconteceu em 2020, não exigindo uma segunda proposta e permitindo que Costa escolhesse o momento que voltava às urnas –, o Presidente cria uma situação de crise permanente. Vivemos metade do ano de 2022 com duodécimos e é falso que o PRR não possa ser executado.
Mais: se não houver OE, a marcação de eleições não resolve o problema. Elas ainda terão de se realizar e tem de se esperar pela posse de governo e pelo novo OE. Até lá, ficaremos em.... duodécimos. Não sendo provável que haja uma maioria absoluta (da AD ou com a IL), voltaríamos ao mesmo, só tendo perdido mais uns meses no meio. Se as preocupações do Presidente são reais, a melhor possibilidade que tem, em caso do chumbo, é trabalhar na negociação de uma nova proposta de OE, sem eleições. Tendo feito varias propostas, Pedro Nuno Santos só fez de duas, entre as centenas que constarão no OE, determinantes. Nada, nem mesmo no SNS , que o governo quer mesmo privatizar, impede a viabilização. E o fim destas duas medidas até significaria mais margem orçamental para o governo decidir outras. Montenegro até sabe que só uma delas torna a aprovação do OE inviável. Nem o governo nem ninguém acredita que o programa do governo é impraticável sem o IRS Jovem. Dizer que esta medida não pode cair é que é ser inflexível.»
1 comments:
A lider parlamentar do PS revelou ontem com muita destreza e clarividência que o indice do IRC Jovem é uma cópia do Programa já vencido da Uniäo Nacional liderada pela inenarravel Marine Le Pen. Que horror. Sarmento e Montenegro devem dedicar-se aos gambozinos, é o que é. Niet.
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