9.10.24

A crise dos média, os governos e os jornalistas

 


«Os governos acham sempre que sabem melhor do que ninguém como se faz bom jornalismo. Normalmente preferem-no vagaroso a ofegante, esperam que os jornalistas se mantenham tranquilos e com uma visão positiva da actividade governativa. Há uma fase em que, para a generalidade dos governos (talvez a excepção tenha sido o governo de Santana Lopes), esse vagar e essa tranquilidade são mesmo a marca de água de uma comunicação social que entende dar o benefício da dúvida a quem chegou recentemente ao poder. Chama-se estado de graça.

Como é por demais evidente, este governo goza desse estado de graça e não vive com uma comunicação social particularmente agressiva. O exercício do poder desgasta a relação com os jornalistas e há uma grande diferença entre meio ano e oito anos e meio no governo. Importa pouco que quem deixa o poder mude de líder, o estado de graça não se aplica à oposição.

Feito este preâmbulo, importa dizer igualmente que a comunicação social, que faz uma análise crítica do exercício do poder, também pode ser criticada. Este texto não é a defesa corporativa da profissão que exerço. Acompanho o primeiro-ministro na crítica que faz ao surfar permanente na crista da onda de um jornalismo que muitas vezes é incapaz de ver para lá da polémica, que alimenta à exaustão. É claro que Luís Montenegro não deve fazer a mínima ideia do que é um direto de televisão, nem qual é a função de um auricular e de um bloco de notas digital incorporado num smartphone, mas isso são outros quinhentos.

O que verdadeiramente me incomodou como jornalista, numa conferência organizada pela Plataforma de Media Privados em que o governo foi anunciar o plano que tem para o sector, foi ver o primeiro-ministro aproveitar o palco que lhe foi oferecido para, na prática, dizer aos jornalistas: vocês não são qualificados, eu ajudo, mas vejam lá se amansam. Montenegro é, talvez, o primeiro-ministro que mais recusa responder às perguntas dos jornalistas e o que tem para nos dizer é que essas perguntas (essência da profissão) são muitas vezes sopradas aos ouvidos desses mesmos jornalistas. Por quem!? Se é por outros membros da redação significa que as redações funcionam e isso é bom, se é por alguém fora das redacções então a acusação é grave e convém que o chefe do governo concretize.

Acompanho o elogio generalizado à vontade do Governo assumir a responsabilidade de fazer a sua parte para garantir uma comunicação social livre, mas fico sempre com a pulga atrás da orelha quando vejo alguém destratar quem diz querer ajudar. O negócio da comunicação social não aguarda pela resolução do problema da quadratura do círculo, ele é inviável a longo prazo se não assentar na independência do jornalismo face ao poder instituído. É, por isso, que também me parece saudável que se separe o serviço público de comunicação social do negócio da comunicação social.»


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