8.10.24

Para o mundo, nem todos os refugiados são iguais

 


«Todos os dias a guerra, as perseguições, a violência, a fome e outras violações dos direitos humanos entram pelas nossas casas adentro através dos média. E embora a nossa atenção seja monopolizada pelas guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, a verdade é que as aflições do mundo continuam igualmente em países e regiões como o Sahel, o Corno de África, os Grandes Lagos em África, a Síria, o Haiti ou o Afeganistão, que já conheciam guerras e conflitos antes de Moscovo atacar Kiev e provavelmente continuarão depois de se encontrar uma solução aceitável para a Ucrânia, seja quando for.

Estes e outros conflitos forçaram, em junho de 2024 e segundo os serviços da UE de Proteção Civil e Apoio Humanitário, mais de 120 milhões de pessoas a abandonarem as suas casas no mundo inteiro, sendo que cerca de 40 milhões procuraram refúgio em outros países e 60 milhões mantêm-se dentro das suas fronteiras nacionais. E a diferença do destino não é irrelevante.

De facto, as pessoas que fugiram dos seus países têm um conjunto de direitos protegidos pela Convenção das Nações Unidas sobre Refugiados de 1951 que estabelece obrigações para os Estados de acolhimento, incluindo segurança física e acesso a cuidados de saúde, educação e trabalho para as pessoas que foram forçadas a fugir. Já as pessoas que foram obrigadas a abandonar as suas casas pelas mesmas razões mas que não atravessaram as fronteiras do seu país, qualificam-se como “Pessoas Deslocadas Internamente” (IDP em inglês) e, segundo o direito internacional, contam apenas com os mecanismos de proteção dos seus próprios Estados. Sim… os mesmos países que, na melhor das hipóteses, foram incapazes de garantir a as condições necessárias para estas pessoas se manterem em casa e, na pior das hipóteses, foram a causa da sua fuga.

Nem sempre foi assim. Durante a guerra do Kosovo, impressionado com o que viu quando visitou os campos de refugiados nos Balcãs e pela incapacidade de atuação da Comunidade Internacional, Tony Blair proferiu um discurso em Chicago onde apresentou 5 testes que justificariam a violação da soberania de Estados por razões humanitárias. De então para cá os países e as organizações internacionais regressaram a uma definição de soberania tradicional enquanto que as crises e guerras não param e as pessoas continuaram a pagar um preço altíssimo pelos falhanços dos seus Estados e da capacidade das Organizações Internacionais em evitar ou resolver as causas e consequências dos conflitos.

Não sendo recomendável regressar ao Direito de Ingerência Humanitária, a Comunidade Internacional deveria, pelo menos, reconhecer que uma pessoa que tem que fugir para não morrer merece proteção internacional, mesmo que se torne refugiado na sua própria terra.»


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