29.11.24

Considerações sobre arte e bananas

 

«Durante a II Guerra Mundial, em resultado das restrições impostas pelo racionamento, os merceeiros do Reino Unido punham na janela um cartaz dizendo “Yes! We have no bananas” (“Sim! Não temos bananas”). Era uma referência a uma música muito conhecida, composta uns 20 anos antes, e pretendia contrariar, com alguma alegria, o infortúnio de não haver bananas. No entanto, por muita falta que as bananas fizessem, ninguém se lembraria de dar 6,2 milhões de dólares por uma, como acabou de fazer um empresário de criptomoedas. (Empresário é o nome que os jornais lhe dão. Eu chamo feiticeiro, porque não percebo o produto que ele transacciona nem o feitiço através do qual ele passa a ter valor. Os especialistas explicam que se trata de uma moeda digital com tecnologia blockchain criada através do processo de mining, o que significa que os especialistas também não sabem o que é.) Foi esse empresário que comprou a obra de arte que consiste numa banana colada à parede com uma fita adesiva cinzenta. Na verdade, ele não comprou exactamente a obra de arte. Ele comprou, digamos, a ideia da obra de arte. A troco de 6,2 milhões de dólares, ficou com um conjunto de instruções sobre o modo de expor a obra e um certificado de autenticidade que assegura que, sempre que ele colar uma banana à parede com aquela fita adesiva, essa será a obra verdadeira, diferente de qualquer outra banana que um de nós possa colar à parede com a mesma fita — que será apenas um objecto estúpido, a caminho de apodrecer e ir parar ao lixo. Ou seja, com dinheiro que não é bem dinheiro, ele comprou uma obra de arte que não é bem uma obra de arte. Parece-me apropriado.

Podemos considerar uma idiotice dar 6,2 milhões de dólares por uma banana, mas isso é ser insensível às qualidades da banana. 
Não contem comigo para ser insensível às qualidades da banana. A banana não é um fruto qualquer. A sua versatilidade, muito superior à das outras frutas, permite-lhe ser convocada para o universo humorístico, por causa da casca, para o universo sexual, por causa da forma, para o universo musical, por causa das suas três divertidas sílabas. Além disso, a banana é o único fruto que é também um insulto. Perante uma pessoa particularmente passiva ou cobarde, ninguém diz, pretendendo ofender: tu és mesmo umas uvas. Só a banana tem a potência necessária para ultrajar. A grande lição deste caso é esta: um banana comprou uma banana — o que acrescenta nova camada artística a uma obra já tão rica em significados.»


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