«A trágica morte de Odair Moniz, em circunstâncias ainda não esclarecidas, mas que todos lamentamos, e os acontecimentos que lhe sucederam, vieram reacender o debate sobre os limites da liberdade de expressão.
Quando o país fervilhava com declarações de responsáveis políticos, o novo procurador-geral da República interpelava a juíza portuguesa junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) sobre os limites da liberdade de expressão dos jornalistas em casos de violação do segredo de justiça. A pergunta denotou exigência face ao exercício daquela liberdade. A informação, no dia seguinte, de que já tinha sido aberto inquérito às mencionadas declarações, independentemente da anunciada queixa-crime de um grupo de cidadãos, só pode ser lida como um ato de coerência, numa magistratura hierarquizada.
Nos Estados Unidos, a liberdade de expressão é protegida pela Primeira Emenda como um ato de expressão privado que um Estado liberal deve proteger. Mesmo discursos racistas ou apologistas do ódio são protegidos. Esta visão essencialmente negativa da liberdade de expressão não predomina no continente europeu. É possível contrastar a perspetiva negativa da Primeira Emenda norte-americana com uma visão liberal positiva, predominante no espaço europeu continental, que reclama do Estado intervenções concretas para proteger a liberdade de expressão. A maior parte dos países europeus contempla alguma forma de censura ao discurso de ódio, pelo menos através da criminalização do incitamento ao ódio. A jurisprudência do TEDH, embora bastante generosa em matéria de liberdade de expressão, sobretudo no que se refere ao seu exercício no domínio do discurso político, constitui um acervo importante que importa ter em conta. O TEDH já se referiu aos deveres e responsabilidades dos políticos no exercício dessa liberdade. Recentemente, o Tribunal sustentou que afirmações suscetíveis de desencadear um sentimento de hostilidade em relação a uma comunidade não são abrangidas pela liberdade de expressão. Problemas difíceis como as migrações devem ser discutidos evitando a apologia de discriminação racial e comentários vexatórios e humilhantes. Outro dado relevante é a importância do contexto: comentários feitos em contexto político ou social tenso podem ser considerados especialmente censuráveis.
Confesso-me adepta da tese norte-americana: não a da Primeira Emenda, mas a de Jeremy Waldron, autor do livro “The Harm in Hate Speech”. O discurso de ódio mina a igual dignidade de membros individuais de minorias vulneráveis, prejudicando a integração que todas as sociedades democráticas devem promover. Uma democracia madura não é aquela que protege a liberdade de expressão a qualquer custo: é aquela que garante, em simultâneo, nos estritos limites da lei penal, a liberdade de expressão e a dignidade de todos os membros da comunidade.»
0 comments:
Enviar um comentário