23.12.24

Acontecimento internacional de 2024: Gaza, o genocídio e a morte moral do ocidente

 


«Segundo a Amnistia Internacional, e deixo os humanistas seletivos a debater com ela, o que se passa em Gaza cumpre três dos cinco requisitos de um genocídio: matar membros do grupo, causar danos físicos ou mentais graves a membros desse grupo, e submetê-lo intencionalmente a condições de vida destinadas a causar a sua destruição física, no todo ou em parte. Com base em declarações públicas e vídeos de militares e responsáveis políticos, a AI estabeleceu a intenção, ilustrada por apelos e justificações.

Quando um jornalista perguntou à secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, porque é que a AI era a primeira grande organização a chegar à acusação do genocídio, acompanhada por relatores da ONU, ela respondeu que esperava a pergunta contrária: “porque demorámos?”

Já morreram, em Gaza, mais de 44 mil pessoas. Nunca tantas crianças em tão pouco tempo – cerca de 20 mil, o que corresponde a 44% das vítimas mortais. Nunca tantas crianças ficaram amputadas e órfãs. E 90% população sente fome ou risco de insegurança alimentar extrema.

Um estudo de junho, conduzido, em Gaza, pelo Centro de Formação Comunitária para a Gestão de Crises (CTCCM) com o apoio da War Child Alliance e Dutch Relief Alliance, junto de 504 crianças feridas, incapacitadas e/ou separadas dos seus cuidadores, concluiu que 96% das crianças sentem que a morte é iminente e quase metade quer morrer em consequência do trauma. 92% das crianças “não aceitavam a realidade”, 79% sofriam de pesadelos e 73% apresentavam sintomas de agressividade. O inquérito revela que 88% das famílias foram deslocadas várias vezes, 21% forçadas a mudar-se seis ou mais vezes.

Há muito que deixámos de falar de vítimas de uma guerra. São vítimas da limpeza de um território e de uma ação de punição coletiva que caracteriza todos os agressores motivados por fortes sentimentos racismo. Neste caso, lideradas por um primeiro-ministro suprematista e criminoso. A forma como olho para os que o apoiam ou se mostram complacentes com ele não é diferente da forma como olho para um apoiante de Putin. Apenas me espanta que a nossa comunicação social trate uns com muito maior bonomia do que os outros. É por serem mais? É por estarem no poder? É por alguns até dirigirem órgãos de comunicação social?

Não é apenas Israel que morre moralmente em Gaza. Isso acontece desde que Yitzhak Rabin foi assassinado por um fanático e que o poder político foi definitivamente tomado pela corrente política que Hannah Arendt, Albert Einstein e mais 25 judeus disseram, em 1948, ser próxima “na sua organização, métodos, filosofia política e apelo social, dos partidos nazis e fascistas”. O que se passa em Gaza é a morte moral do Ocidente, cúmplice, por atos e omissão, do líder que arma para que continue a chacina. Cada criança morta em Gaza é-o com armas europeias e norte-americanas. No caso dos EUA, pagas pelos seus impostos. A colaboração com Israel é superior à de quase todos os líderes e Estados que acusamos, com justiça, de apoio a Putin.

A outra vítima desta guerra é a memória, na forma como o antissemitismo, e o Holocausto e pogroms a ele associados, é instrumentalizado para defender o genocídio de um povo. Não é por acaso que entre os mais empenhados apoiantes de Israel estão muitos dos descendentes políticos do antissemitismo. A extrema-direita não abandonou a cultura do ódio pela diferença e da violência para a esmagar. Mudaram apenas as vítimas.

Quem, neste momento, apoia o que Israel (e é Israel, como Estado) está a fazer em Gaza não honra a memória das vítimas do antissemitismo. Segue as pisadas dos agressores. O que define o crime não é a identidade da vítima, são os atos e as motivações do agressor e as suas consequências.»


0 comments: