8.12.24

Não percepciono nada disto

 



«Foi na segunda-feira passada. Um amigo telefonou-me e disse: “Estás na primeira página do ‘Correio da Manhã’.” Fiz o que toda a gente faz nessas circunstâncias: abri o Google, pesquisei “países sem acordo de extradição com Portugal” e dirigi-me para o aeroporto. Durante o percurso, no entanto, outro amigo enviou-me uma fotografia do jornal. A notícia referia-se a uma sondagem sobre as intenções de voto nos candidatos à Presidência da República. O título principal dizia: “Gouveia e Melo esmagador na corrida à Presidência. Almirante é o preferido”. Por baixo, o jornal acrescentava: “Marcelo deixa Belém sem voto da maioria.” E, por fim: “Ricardo Araújo Pereira recolhe preferências.” Dei instruções ao taxista no sentido de voltarmos para casa. Afinal, não era uma notícia para me cobrir de vergonha, era para me cobrir de ridículo. Prefiro assim. Estou habituado.

Dentro do jornal, a parte da notícia que me dizia respeito relatava o seguinte: “Uma das perguntas do barómetro permitia ao inquirido escolher quem preferia que se candidatasse a Belém, com nomes como o humorista Ricardo Araújo Pereira, Ramalho Eanes ou Rui Rio a surgirem entre as figuras apontadas pelos portugueses, ainda que sem expressão.” Portanto, ao que tudo indicava, um cidadão enfadado tinha resolvido responder ao inquérito sugerindo o meu nome como possibilidade para candidato a Presidente. Em princípio, terá hesitado entre escrever “Ricardo Araújo Pereira” ou “um chimpanzé”, optando pela primeira hipótese, por a considerar mais absurda. O facto de um fenómeno não ter expressão nunca impediu os jornais de o noticiarem na primeira página, e foi o que aconteceu. Por isso, receio que se tenha criado a percepção de que integro a lista de candidatos a Presidente da República. É inegável que possuo o que parece ser, neste momento, o requisito essencial para uma candidatura ao cargo, a saber: falar na televisão aos domingos à noite — o que reforça a tal percepção. Ora, como aprendemos esta semana, as percepções são perigosas. O primeiro-ministro deu uma conferência de imprensa às 20 horas para nos informar que, embora Portugal seja um país seguro, existe uma percepção de insegurança. Além de combater a insegurança, ele propõe, por isso, combater a percepção de insegurança, talvez espalhando, pelas ruas e cafés, agentes do Governo que de vez em quando suspiram: “Estou cá com uma sensação de segurança... Acabei de ver dois carros da polícia.”

Impossibilitado de convocar conferências de imprensa para a hora do jantar, gostaria no entanto de aproveitar este espaço para desmentir que seja candidato a PR. O meu trabalho é fazer pouco do Presidente da República. Não aceito ser despromovido a Presidente da República. Obrigado.»


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