«Não há volta a dar. Qualquer que seja o ângulo que usemos para olhar para a crise da habitação, o resultado é o mesmo: sendo um fenómeno global, em nenhum país europeu o aumento dos preços atinge a intensidade que tem entre nós. O aumento real dos preços da habitação em Portugal na última década é mais do dobro do registado nos países da OCDE e quatro vezes mais do que na Zona Euro.
Os dados foram compilados num detalhado estudo, publicado pela associação Causa Pública, (declaração de interesses: sou associado deste think-tank) que avalia as consequências da crise habitacional no desenvolvimento do país. “Na última década, entre 2013 e 2023, os preços da habitação em Portugal mais do que duplicaram (121%), o que representa um aumento real (acima da inflação) de 81%”, pode ler-se no estudo, coordenado por Guilherme Rodrigues, mestre em Economia pela Faculdade de Economia da Nova de Lisboa e que se tem especializado em políticas de cidades.
Se apenas três países viram os preços das casas crescer mais do que no nosso (Turquia, Islândia e Hungria), entre 2013 e 2023, nenhum país industrializado viu deteriorar tanto a acessibilidade habitacional como Portugal. É a relação entre salários e preço imobiliário que torna o nosso país num caso à parte.
Se era este o cenário analisado pelos autores do estudo, com dados de 2023, tudo indica que a situação se deteriorou em 2024. Coincidindo com a entrada em vigor das alterações legislativas impostas por Montenegro, o preço da habitação em Portugal cresceu 3,9% em apenas um trimestre, a maior subida em cadeia desde o início da série do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2009. Que esta dinâmica inflacionista esteja a acontecer com as taxas de juro em níveis historicamente altos, para os padrões históricos da Zona Euro, “sugere que o mercado imobiliário português, pelo menos nos últimos anos, mostra uma dinâmica de procura diferente da que se observa na maioria dos países desenvolvidos”, conclui Guilherme Rodrigues.
Para contextualizar o que aconteceu ao mercado imobiliário no nosso país, os autores deste estudo dão o exemplo da aquisição de uma casa em Portugal e outra em Espanha, que debate soluções para a sua crise de habitação, ambas adquiridas por cem mil euros em 2013. Dez anos passados, em 2023, a casa comprada em Portugal valia cerca de 221 mil euros (aumento de 121%) e a adquirida em Espanha 153 mil euros (aumento de 54%). São 68 mil euros de diferença, numa década, um relato esclarecedor sobre a dificuldade sentidas pelos jovens à procura de primeira casa ou por todas as famílias que, tendo casa própria, precisam de mudar de habitação ou de encontrar uma que acomode o crescimento da família.
Como recorda a Causa Pública, o desfasamento sem precedentes entre os preços da habitação e os salários tem impacto para lá dos evidentes custos sociais. No Barómetro da Habitação de novembro de 2023, 44% dos inquiridos ponderam antecipar uma mudança de país devido às dificuldades no acesso à habitação. O impacto do preço das casas no envelhecimento do país não se vê apenas pela fuga de cérebros, mas pelo adiamento ou desistência de ter filhos. No mesmo Barómetro, ficamos a saber que 64% dos inquiridos adiou a decisão de ter filhos por causa do preço das casas e 44% a de ter mais um filho.
Como devia ser evidente, não são os impostos que afastam os jovens do país (para emigrar para países onde a carga fiscal superior), mas o fosso crescente entre os salários praticados e o dinheiro necessário para comprar ou arrendar uma casa.
Os impactos sociais, demográficos e económicos desta crise para o futuro do país são devastadores. Os primeiros sinais, e que já se começam a sentir de forma notória, são os da degradação dos serviços públicos. Não é por acaso que é nas zonas onde o preço das casas mais subiu, como a Área Metropolitana de Lisboa e o litoral algarvio, que o Estado encontra maiores dificuldade em fixar profissionais essenciais, como professores: “119 dos 163 agrupamentos escolares com falta de professores encontram-se na Área Metropolitana de Lisboa”, pode ler-se no estudo da Causa Pública. Acontece o mesmo nas empresas que funcionam nas zonas de maior pressão demográfica.
O custo da habitação é um “imposto” escondido e regressivo, que transfere recursos das atividades produtivas e do Estado (por via de salários que cubram esta despesa) para atividades rentistas, de jovens para mais velhos.
A OPORTUNIDADE PERDIDA DA CONSTRUÇÃO PÚBLICA
A solução do novo governo para esta crise foi apostar num choque de procura, cortando impostos como o IMT e facilitando o empréstimo bancário para jovens até 35 anos. Os primeiros resultados, como já vimos, foram os esperados: aquecimento do mercado imobiliário, registando o maior aumento trimestral desde 2009.
A destruição das tímidas medidas de limitação do Alojamento Local, aprovadas pelo Governo anterior, diminui ainda mais a oferta de arrendamento nos principais centros turísticos, como Lisboa, Porto e Algarve. O regresso dos vistos gold, agora até para quem investe em criptomoedas, e das borlas fiscais para estrangeiros qualificados só vai agravar a situação em que o mercado já se mostra indiferente à subida dos juros e outras medidas de contenção de preços.
Até agora, Montenegro e Pinto Luz têm-se especializado em atirar gasolina para uma fogueira que já ia alta. A exceção foi o seu compromisso em aumentar o investimento na construção pública, uma medida essencial para garantir um aumento da oferta e regular preços. Num dos primeiros pacotes de medidas com que encheu os noticiários das primeiras semanas, o governo prometeu duplicar o número de casas a construir ou reabilitar inscritas no PRR. Em vez dos 26 mil fogos previstos até 2026, 59 mil até 2030, de forma a que seja atribuído apoio a todos os projetos que foram candidatados, ainda que já estejam fora do limite temporal do PRR.
Apesar de ainda não se ter percebido de onde virão os fundos e meios para pagar tamanho investimento, seria uma excelente notícia, mas os dados públicos do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) indicam que só um quarto das 59 mil casas serão novas. A aposta na reabilitação ou obras de recuperação, garantindo apenas 14 mil novas casas, limita um dos propósitos iniciais do programa, o anunciado crescimento do parque público habitacional de 2% para 5% do total de casas do país. Agora, de acordo com o IHRU, estas 59 mil casas não permitirão ir além de 2,6%. Para que se compreenda melhor a dimensão do nosso atraso, a média da OCDE está nos 7,1% e na União Europeia nos 8%.
Se se compreende a aposta na reabilitação nas obras financiadas pelo PRR – o prazo temporal para ter acesso a esses fundos sempre foi bastante apertado –, ela é estranha para investimentos que o primeiro-ministro anuncia até 2030. A oportunidade para expandir a oferta pública foi usada pelos municípios para recuperar o escassíssimo parque habitacional que gerem, mas que alguns deixaram quase ao abandono. Deixou de ser um investimento estrutural para garantir escala suficiente para regular preços, para ser uma despesa para manutenção do que já existe.
Serei o último a contestar a importância da manutenção dos bairros municipais, desde que isso não seja vendido como aumento da oferta pública para padrões europeus, garantindo uma capacidade de resposta social que hoje não temos. A manutenção dos bairros municipais devia sair do orçamento das autarquias, que recebem generosas contribuições fiscais do mercado imobiliários, como o IMT.
O cenário traçado pela Causa Pública, que anuncia mais dois estudos sobre a crise da habitação, é o de um país onde o preço do imobiliário está a hipotecar o seu futuro económico e o das suas gerações mais jovens. A resposta do Governo parece ser querer copiar todos os erros cometidos pelo Governo anterior, numa fase bastante menos avançada da crise de preços, reforçando a dose.
Deixo para outro texto o debate a que assistimos em Espanha, onde o governo mostrou alguma coragem, mas não tanta como parece nas parangonas.»
1 comments:
Portugal segundo o INED tem cerca de 800 000 alojamentos devolutos. A falta de Habitação só se verifica porque Portugal até desequilibrado para Ocidente e continua. Daí, não parando, a bola de neve exige cada vez mais casas onde já há gente a mais!
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