«Os homens mais ricos dos EUA tomaram posse do país. Nunca uma administração teve tantos multimilionários, nunca os homens mais ricos do mundo prestaram tanta vassalagem a um presidente eleito e nunca foram tão perigosos.
Há muito em comum entre todos eles. Donald Trump escolheu quem escolheu porque financiaram a sua campanha, defenderam as ideias mais absurdas na Fox TV ou partilharam o mesmo ódio pela defesa de princípios como os da diversidade, equidade ou inclusão.
Embora o vocabulário do MAGA (Make America Great Again) se cinja às palavras meritocracia e tarifa, estas escolhas não foram feitas em função do mérito ou do conhecimento, mas sim em função da conta bancária e da fidelidade.
Donald Trump partilha várias crenças com os seus escolhidos, a começar pela regra simples de que tudo se vende e tudo se compra, o que tanto é válido para a ética e a dignidade como para o silêncio de uma actriz porno ou para a Gronelândia.
A imposição do dinheiro e da força como método de diplomacia, juntando fortunas e capacidade militar altamente destrutiva, tanto faz lembrar a compra do Alasca e o regresso ao expansionismo do século XIX como nos faz crer que esta será a ordem internacional que se segue a partir de hoje.
O regresso a uma ordem internacional deste tipo é o oposto do ordenamento internacional criado e exportado pelos EUA desde o final da Segunda Guerra Mundial, legitima a invasão russa da Ucrânia, a hipotética invasão chinesa de Taiwan ou qualquer outro desejo de expansão territorial, seja de quem for, com legitimidade ou não.
Donald Trump é um soberanista que só respeita a sua própria soberania, que não quer saber de mais ninguém, a não ser de si próprio e daqueles que concordam com ele, que não reconhece aliados e que aprecia mais autocratas do que democratas. O direito internacional vai ser interrompido por momentos.
O discurso da superioridade dos valores e da democracia (que justificaram até aqui o estatuto dos EUA no mundo e que caucionaram muitas das suas intervenções militares) vai ser substituído pela prática da política enquanto negócio sob coacção. A credibilidade ocidental, tão deteriorada com a hipocrisia dos dois pesos e duas medidas, em Gaza e na Ucrânia, está, definitivamente, comprometida.
Acresce que esta não é apenas a coligação dos super-ricos. É a coligação dos super-ricos da extrema-direita mais radical e perigosa, que negam a evidência das alterações climáticas, recusam a vacinação e o conhecimento científico, defendem a supremacia branca e masculina, censuram um ensino humanista e inclusivo ou ficam embevecidos sempre que escutam a palavra deportação. Não consta que morram de amores pela democracia, ou não a tivessem tentado derrubar há quatro anos.
Esta coligação estará disposta a exportar a receita boçal e regressiva, e não falta na Europa quem esteja disponível para a receber de braços abertos, mesmo que isso implique uma ingerência inaceitável nos assuntos dos seus estados.
Para a oligarquia que vai tomar conta dos EUA, uma expressão que estamos habituados a associar ao chamado terceiro mundo, não há qualquer conflito de interesse em apropriar-se do Estado para aumentar os lucros.
Este assalto ao Estado é mais eficaz do que o assalto da turba ao congresso. O aviso de Joe Biden quanto aos riscos da ausência de escrutínio e do impacto que esta oligarquia pode ter na ameaça à democracia dos EUA é um perigo real, mas o que tem preocupado a população é a deportação de imigrantes indocumentados e com antecedentes criminais.
Numa conjuntura de perda de influência do jornalismo, e da sua substituição por canais de distribuição de conteúdo mais desinformativos do que informativos, a menor relevância do escrutínio será um facto consumado. No primeiro mandato de Trump, a imprensa dos EUA resistiu e fortaleceu o seu papel. As instituições não cederam.
Neste segundo mandato, Trump concentra todo o poder, pelo menos até às eleições intercalares de 2026, e tem a seu lado os super-ricos que mandam no que vemos, lemos ou ouvimos. Nenhum deles tem qualquer compromisso com a liberdade de expressão, moderação ou pluralismo, expressões do século XX. Aquilo a que Elon Musk e Mark Zuckerberg chamam liberdade de expressão mais não é do que a ausência de qualquer cuidado ou responsabilidade pelas mentiras que irão propagar de forma deliberada.
Desta vez, Trump já sabe que nenhuma rede social irá suspender as suas contas, diga o que disser. A associação entre este presidente e esta espécie de quinto poder, sem regulação, vai exigir uma prova de vida do sistema democrático e uma prova de cidadania de cada um de nós. Contra os factos, haverá sempre uma mentira. E os super-ricos encarregar-se-ão de lhe garantir mais alcance.»
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