13.5.25

Combatemos Ventura calando os seus alvos?

 


«Pelo país inteiro, uma comunidade tem-se manifestado contra o homem que, desde que fundou um partido, a tem usado para o voto alimentado por um ódio tão antigo como a existência do povo cigano. Um filão extraordinário, apesar dos ciganos não representarem 1% da população. Um ódio que passou da sociedade para o espaço público. Hoje, canais de televisão referem a etnia de um criminoso, se for cigano, esquecendo-se sempre de falar dela se for branco. Talvez por se acreditar que os brancos não têm etnia. São só portugueses “normais”.

Não é a primeira vez que a campanha de um partido é “perseguida” por um grupo que o contesta. Aconteceu com os lesados do BES, com os professores e, um pouco mais complicado, com os polícias. Desde que cumpram a lei – alguns não a cumpriram e devem ser legalmente penalizados – os ciganos têm direito à sua voz e à sua defesa. E nós não temos direito de dizer que continuem a ser humilhados e insultados em silêncio, com a cumplicidade de quem acha que defender estes cidadãos portugueses custa votos.

Muitos consideram, provavelmente com razão, que esta ação concertada está a dar muitos votos ao Chega. Há até quem acredite, porque acredita que os ciganos estão genericamente à venda, que isto é manobra do próprio partido. Uma novidade: os ciganos, como todos os portugueses, têm redes sociais, grupos de WhatsApp e uma facilidade tão grande de se organizarem como qualquer outra comunidade. Outra: sentem os insultos constantes, a culpabilização coletiva e o racismo como qualquer outro grupo sentiria e, como qualquer outro grupo, são impelidos a manifestarem a sua justa revolta.

As considerações táticas quanto às consequências destes protestos estarão certíssimas, mas não se pode esperar que qualquer grupo se veja a si mesmo como um embaraço coletivo, sentindo, em momentos sensíveis, dever de se calar para não beneficiar quem o ataca. É natural que quem é insultado há anos, perante a passividade de quase todos, não seja dado a grandes taticismos. Limitam-se a fazer-se ouvir, como se fazem ouvir os pensionistas que abordam Montenegro. A dificuldade em compreendê-lo resulta da sua subalternização, mesmo aos olhos dos que supostamente os defendem: deviam, pelo menos até às eleições, calarem-se para não dar armas a quem os usa.

Sim, é provável que os protestos dos ciganos dêem votos ao Chega. Assim como as greves de serviços públicos ou as polémicas em torno da comunidade LGBT, incompreensíveis para muitos cidadãos. Mas a ideia de que os ciganos devem ficar calados, os trabalhadores não devem fazer greves, as minorias sexuais não devem ser escandalosas para não fazer crescer o Chega, parecendo acertada do ponto de vista tático, apenas garante que o Chega cumprirá a sua função: instalar o medo e cercar os alvos que escolhe com um muro de silêncio.

Não preciso de repetir o estafado poema sobre os que foram sendo catados pelos nazis, perante a passividade de todos, até já não haver ninguém para defender quem se calou. Acreditem que, em nome de valores que pareciam mais altos, também não era conveniente defender os judeus (hoje poupados pela direita do ódio, por serem instrumentais para alimentar outros ódios), os ciganos ou os gays.

É-me indiferente se, ao combater processos de estigmatização, insulto e culpabilização coletiva, estou desligado do sentimento maioritário e popular. Basta conhecer a história para saber que, em momentos sombrios como os que vivemos, raramente a decência é maioritária. Se fosse, muitas teriam sido as tragédias que nunca teriam acontecido. Nada disto é novo. Só que, no fim, defender apenas os nossos para fazer frente aos que acreditam num país só para os nossos apenas nos dá a ilusão de combate enquanto lhes damos razão.

O que tem de ser dito é que, como se percebe pelo caos que cria à sua volta, Ventura é fator de instabilidade e conflito. E que nenhum país se constrói sobre a incomunicabilidade e o ódio de que ele se alimenta. O que há para dizer é o que a decência básica manda dizer, sem pedirmos que parte do país se esconda para não lhe dar pasto.»


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