30.5.25

Isto vai ser rápido

 


«Celebrávamos o 40º aniversário do 25 de Abril quando fui questionado por uma jornalista francesa, que queria saber por que não tínhamos extrema-direita. Tinham-lhe falado da memória da ditadura e da baixa taxa de imigração. Neguei-lhe a primeira, valorizei a segunda, mas disse que estava enganada: que podia ouvir a extrema-direita nos cafés e nos programas da manhã. Só não tinha sido ativada por um partido. Como seria possível ela não existir no último país da Europa Ocidental a descolonizar e num dos últimos a chegar à democracia? Nos últimos seis anos fizemos o caminho que outros levaram décadas a percorrer. E a extrema-direita pode chegar ao poder ou ficar em primeiro com a mesma velocidade extraordinária. Porque nos faltam os instrumentos que, noutros países, retardaram a sua progressão ou atenuaram o seu impacto.

Faltam-nos resistências institucionais. Temos uma comunicação social com pouca autorregulação, autonomia e capacidade financeira. Portugal tem das mais baixas taxas de leitura de jornais da Europa e dos menores apoios públicos à imprensa. A esmagadora maio¬ria informa-se pelas televisões generalistas e pelas redes sociais. Parte das instituições do Estado, marcadas pelo desinvestimento ou pela doença do corporativismo, já foram tomadas pelo populismo dominante, com destaque para a justiça, onde o Ministério Público tem sido o foco do caos. É impossível compreender o ambiente que levou o Chega a saltar de um para 60 deputados em apenas seis anos sem olhar para o clima criado por uma casta pouco sofisticada mas muito poderosa. Não é contra o PS ou contra o PSD, é contra “os políticos”. E temos uma sociedade civil estruturalmente anémica. A começar pelo sindicalismo, que o poder político fez tudo para fragilizar, com contributo de partidos que não o deixam respirar. Portugal tem das taxas de sindicalização mais baixas da Europa, tendo sido a segunda que mais caiu nas últimas quatro décadas em toda a OCDE.

Faltam-nos resistências culturais. Segundo o “European Social Survey”, 62% dos portugueses tinham no início da década crenças racistas: achavam que havia grupos étnicos ou raciais mais inteligentes ou mais trabalhadores ou que havia culturas mais civilizadas. Nunca fizemos, graças a mitos lusotropicalistas que alimentaram a ideia da colonização bondosa, este debate a sério. E foi neste pântano de silêncio que, quando a imigração explodiu, também tardiamente, nos vimos ao espelho. Segundo o Eurobarómetro, já temos mais autoconsciência do racismo — 61% aceitam que há discriminação em relação à cor da pele. Bastaria olhar para a elite política, económica e social e ver a pouca quantidade de não brancos para isso ser evidente. Mas, como somos ótimos a adiar debates, porque dividem, não são prioridade ou não interessam às “pessoas normais”, as fronteiras políticas são porosas e basta um pequeno aperto para até os socialistas começarem a repetir o vox populi sobre minorias e imigrantes. Não há linhas vermelhas, como na Alemanha. Porque, enquanto os alemães falam do seu passado, nós só o celebramos: demos novos mundos ao mundo e o resto não se pode recordar porque isso é “reescrever” a história.

Faltam-nos resistências políticas. Com uma situação económica ainda favorável, Montenegro passou um ano a distribuir o excedente e subiu três pontos quando o seu maior competidor afundou. O voto socialista saltou por cima da AD porque o primeiro-ministro não inspira confiança. Ébrios com o champanhe, a festa na São Caetano, à Lapa, é a da primeira classe do “Titanic”: não percebem que serão os seguintes. No PS acredita-se que a tradição ainda é o que era e que se se fizer de morto será premiado pela alternância, ignorando que há outra alternativa. Neste cenário, Ventura é o mais mobilizador dos três líderes. Carneiro até podia libertar votos à esquerda, mas BE e PCP ficaram em mínimos históricos e o Livre não chega, pela sua natureza, orgânica e liderança, ao voto popular de protesto. Não temos uma France Insoumise ou Die Linke, capaz de disputar o descontentamento à extrema-direita. Quando as coisas correrem mal, esse voto só terá um destino possível.

A extrema-direita chegou mais tarde, cresceu mais depressa e tem todas as condições para manter a trajetória acelerada. Aberta a comporta, o caudal não encontrará, por razões estruturais e circunstanciais, a resistência institucional, cultural e política que permitiu outros países retardarem o desastre. O terreno está todo aberto. Basta um escândalo judicial e uma crise económica e o poder será de Ventura. Quem julga que teremos quatro anos de paz ainda não percebeu o que está a acontecer.»


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