«Numa altura em que o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia, veio oferecer a sua cabeça numa bandeja, caso seja preciso arranjar um rosto para a culpa, Marcelo afirmou o óbvio: “Quem quer que exerça um cargo político é politicamente responsável pelo exercício (…). Quem está à frente de uma instituição pública responde politicamente por aquilo que aconteça de menos bem, mesmo que sem culpa nenhuma.”
“Não vale a pena discutir se há responsabilidade política, porque há.” É curioso que tenha sido o Presidente da República a dizer o básico quando uma boa parte dos responsáveis políticos andaram a titubear, sabe Deus porquê.
E, no entanto, Carlos Moedas recusa ter “responsabilidade política” e diz que só se demitirá caso seja provado que tomou alguma decisão que tenha conduzido à tragédia. Não houve erro humano, diz. Mas como não houve erro humano? Citando Marcelo Rebelo de Sousa, quantas pessoas precisam de morrer?
Moedas – que diz, com alguma lata, que “não pensa nas eleições neste momento” – fez um ataque à candidatura do PS de Lisboa, “um bloco de esquerda que se radicalizou”, acusando Alexandra Leitão, a sua principal opositora, de ter um discurso “dissimulado”, porque não pede a sua demissão e tem um discurso moderado, mas manda “os seus sicários” fazerem-no.
Revoltado com a “politização de uma tragédia”, Moedas politiza a tragédia, radicalizando o discurso com a palavra "sicários". Fui ao Priberam e o sinónimo que aparece é "assassino contratado". Será difícil responder ao mesmo nível metafórico.
Na entrevista à SIC Notícias, Carlos Moedas esforçou-se por distinguir este caso do Russiagate, quando pediu a demissão de Fernando Medina. É evidente que as situações não são comparáveis. Mas como é que Carlos Moedas achava, na altura, que um presidente da Câmara de Lisboa se devia demitir mesmo estando em causa “erros técnicos” e anunciava que vinha para “fazer política de forma diferente”, e tem agora outra posição? Porque “politiza”, naturalmente.
Tanto Marcelo Rebelo de Sousa como o secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, acham que quem decidirá sobre as responsabilidades políticas de Moedas serão os eleitores de Lisboa. Marcelo registou que os portugueses também o fizeram com Luís Montenegro relativamente ao caso Spinumviva nas últimas eleições legislativas.
Esta ideia de referendar a responsabilidade política em eleições tem um problema: faz com que ela desapareça, como por encanto, se os eleitores derem um novo mandato a Carlos Moedas.
Uma vitória da AD em coligação com a Iniciativa Liberal lavará tudo mais branco do que os detergentes, com o risco de nunca mais ninguém falar do assunto, como aconteceu no caso Spinumviva, e só acordarmos para o tema dos riscos dos elevadores de Lisboa outra vez se acontecer nova tragédia.
Uma outra consequência é o risco de uma derrota de Moedas estar intimamente ligada ao Elevador da Glória. A campanha vai, portanto, centrar-se no Elevador da Glória e é pouco para o debate sobre Lisboa.
É verdade que o caso Spinumviva, relativamente ao qual o PS e o Chega tinham tantas perguntas antes das eleições, foi considerado “arquivado” pelos dois maiores partidos da oposição. Uma vitória de Carlos Moedas fará com que não mais se fale das infra-estruturas de Lisboa?
O mais estranho é que, para a carreira política de Carlos Moedas, o mais útil era mesmo demitir-se. O presidente da Câmara de Lisboa é um activo do PSD e, quando Luís Montenegro deixar o cargo de presidente do partido, será um dos nomes mais do que prováveis na batalha da sucessão.
Assumir as responsabilidades políticas agora, retirando-se das eleições (subia Gonçalo Reis), ia protegê-lo para o futuro, no caso de não se provar que a Câmara de Lisboa tinha contribuído para a tragédia. Arriscar uma derrota agora dificulta as suas ambições políticas. Moedas fez a pior escolha possível para si próprio – mas ele lá sabe.»

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