«Vinham para fazer “implodir” o sistema e estão a ser muito bem-sucedidos. A bancada do Chega tornou o Parlamento numa tasca mal frequentada, onde as mulheres deputadas são intimidadas e insultadas e isto não começou com o “beijo”. Tabernas em que a frequência era maioritariamente de javardos sempre existiram – naqueles lugares, muitas mulheres evitavam entrar sob pena de serem alvo de assédio ou insultos. Hoje, a Assembleia da República funciona no mesmo comprimento de onda.
O caso do “beijo” que o vice-presidente da Assembleia da República Filipe Melo enviou à deputada Isabel Moreira é apenas mais um episódio na degradação do Parlamento que tem vindo a ser levada a cabo pela força de direita populista, perante uma grande inércia da mesa da Assembleia da República e dos outros grupos parlamentares. O não saber lidar com a bandalheira torna a bandalheira aceitável.
Em última análise, está em causa o regular funcionamento das instituições da República. A passividade perante esta implosão dos órgãos de soberania – ou o encolher de ombros – está a pôr em causa a democracia.
Defender que não se pode fazer nada e que se é obrigado a aceitar a intimidação de pessoas com tendência para actividades javardas (no fundo, a forma como todos reagimos quando entramos em tabernas mal frequentadas) não funciona. Das tabernas, todos nós saímos com facilidade. Abandonar o Parlamento por via do assédio do Chega é colocar o problema numa outra dimensão.
À cena degradante do “beijo” do vice-presidente, José Pedro Aguiar Branco respondeu de forma dura, depois de ter visionado as imagens. Vamos ver o que se segue. Até aqui, a condescendência tinha sido a palavra de ordem. Os deputados do Chega têm tido imenso sucesso no seu objectivo de destruição das instituições da República, só porque ninguém sabe qual é a melhor maneira de lidar com eles. O que acontece no Parlamento é uma espécie de paralisia, à semelhança do que se está a passar com o Partido Democrata nos Estados Unidos da América.
A degenerescência do Parlamento às mãos do Chega já foi muitas vezes documentada. O assédio a Isabel Moreira tem sido contínuo. Em Maio de 2024, a deputada socialista denunciava a “ofensa e injúria permanente” dos deputados do Chega contra mulheres.
Dizia Isabel Moreira na altura: “Ouvi coisas como vaca, mugidos ou nomes que se chamam a deputadas assumidamente lésbicas”. Na altura, Isabel Moreira dizia que o assédio é muitas vezes feito “nos corredores” quando as deputadas “estão sozinhas e ninguém está a ouvir” e acusava os deputados do Chega de “dizerem coisas absolutamente insuportáveis”.
Todas as mulheres tendem a evitar locais onde possam ser sujeitas a este tipo de assédio – as tais tascas frequentadas por bêbados ou javardos. A Assembleia da República é hoje um lugar onde uma mulher não pode estar sem ser vítima de assédio. O assédio não é só protagonizado por homens. A deputada Rita Matias já chamou “senil” à deputada socialista Edite Estrela.
.
Depois, há o racismo: a ex-deputada Romualda Fernandes, negra, foi atacada por parlamentares do Chega com alegadas graçolas.
Este Portugal bronco evidentemente existe. Foi convencionado que o cargo de Presidente da República, o segundo órgão de soberania que é a Assembleia da República, o Governo se iriam reger por regras de boa educação. De resto, existe até o protocolo de Estado. Provavelmente o protocolo de Estado já é um papel ultrapassado pelos acontecimentos.
“Rebentar com o sistema” também é isto: é tornar irrespirável o ambiente no Parlamento, com o fim de um dia acabar com ele. Encolher institucionalmente os ombros – a estratégia que vingou agora – é ser cúmplice da implosão.»

0 comments:
Enviar um comentário