«Nada, do que sabemos até hoje sobre o acidente no ascensor da Glória, nos dá razões para pedir a demissão de Carlos Moedas. Nada, nas respostas políticas e no debate público que da última semana, dá razões para Carlos Moedas se atirar furiosamente à oposição. E, no entanto, tem sido esse o caminho traçado pelo “moderado” que compara os seus adversários políticos a assassinos (não há outra interpetração possível para “sicário”) e insulta a memória de alguém que, não estando entre nós, não se pode defender.
A questão que se coloca é por que razão, minutos depois de criticar o “aproveitamento político” de uma tragédia (e de ir a correr para um Conselho de Ministros performativos para a aproveitar), o presidente da Câmara de Lisboa escolhe esse caminho contra Alexandra Leitão, cuja contenção contrasta com o comportamento do candidato Moedas contra Medina, há quatro anos. Tenho ouvido que este “não é o verdadeiro Carlos Moedas”. Este é o Carlos Moedas de sempre, pelo menos desde que se candidatou à Câmara de Lisboa. A imprensa e o País é que lhe dedicaram pouca atenção e escrutínio.
Para quem não se lembra, foi assim que Moedas reagiu à polémica da pala da Jornada da Juventude. Foi assim que se comportou quando, ainda mal tinha tomado posse, colocou na imprensa que o PS tinha chumbado o orçamento da Câmara (uma falsidade só possível de espalhar porque a reunião é à porta fechada). Foi assim na campanha eleitoral, quando inventou que tinham morrido, em 2019, 26 pessoas nas ciclovias de Lisboa (foram zero). O guião não muda: sempre que se sente acossado, Moedas cita factos alternativos e inventa inimigos externos para poder animar a sua base e polarizar o debate, fazendo-se de vítima.
Há quatro anos que Carlos Moedas cultiva uma relação fugidia com a verdade. Sabe que o pode fazer porque, não tendo uma oposição camarária com o mesmo acesso quase ilimitado à imprensa, é a sua história que tem vencimento. O que Carlos Moedas não percebeu é que uma coisa é torcer com sucesso os números da habitação, Plano de Drenagem, centros de saúde ou transportes deixados em obra ou com contrato assinado por Fernando Medina, outra, bem diferente, é inventar um passado alternativo para Jorge Coelho.
A necessidade de enlamear a imagem de Coelho, (chamou a isto “honrar a sua memória”), não foi uma escolha, foi uma necessidade. Moedas é refém do que disse há quatro anos, quando exigiu a demissão de Fernando Medina (hoje afirma que Medina foi informado sobre os e-mails para a embaixada Rússia, o que também é falso). Mas, ao imperativo ético que então traçou, tendo Jorge Coelho como modelo, responde agora com um “aqui ninguém foge”. O que antes era sinónimo de exigência, hoje seria sinal de cobardia.
Como o fato ético de Coelho era ótimo para Medina mas não lhe convém a ele, precisou inventar um passado alternativo, dando a entender que, ao contrário dele, o falecido ministro sabia dos riscos de derrocada da ponte e nada fez (como Medina saberia dos mails). Relatório do LNEC, comissão parlamentar, auditorias realizadas e processo judicial que se seguiu... nada corrobora a tese. Para quem diz que “não tem pensado em eleições”, Moedas mostrou que está disponível para descer baixo para proteger a sua imagem eleitoral.
Não acho que Carlos Moedas se deva demitir. Disse o mesmo sobre Medina, no caso dos emails para a embaixada russa, e serei dos poucos a não defender o exemplo de Jorge Coelho. Pelo contrário, acho que estabeleceu um precedente impossível de replicar (no momento atual, então, será sempre visto como uma assunção de culpa) e que só serve para normalizar a desresponsabilização política.
Digo-o mesmo depois de Moedas, numa das leituras evolutivas que vai fazendo sobre responsabilidade política, ter dito que se demitiria se fosse provado que a despesa com a manutenção dos ascensores tinha descido durante o seu mandato. Não só esta diminuição já foi provada, relativamente aos últimos três anos, como o Plano de Atividades e Orçamento da Carris para 2025 estipula uma diminuição de 43,3% no investimento com a “Manutenção e reparação de autocarros e elétricos”.
Os voláteis critérios do autarca de Lisboa interessam pouco para esta análise e menos ainda a poucos dias das eleições. O relatório conhecido ao sucedido, mesmo que muito preliminar, não aponta o dedo à operação ou manutenção do veículo. Também não se sabe que Carlos Moedas tenha sido alertado para o risco inerente ao ineficaz sistema de segurança do ascensor. O que sabemos é pouco e convém não disparar “mais rápido do que a própria sombra”. Liderando o único acionista da empresa, há uma responsabilidade política evidente, mas essa avaliação compete aos lisboetas. Que, por acaso do calendário, vão a votos daqui a um mês.
Mas há, para além do balanço destes desgraçados quatro anos, uma avaliação a fazer do comportamento de Carlos Moedas na última semana. Mentir é o seu padrão, como é o padrão de Ventura e de Sócrates. Não é uma falha à verdade. É um comportamento continuado, descarado e consciente que, aliás, se mantém, quando insiste que o seu caso é diferente do de Coelho, como fez ontem. Como Moedas mente mais quando está mais ansioso, seria bom instalar um polígrafo nos Paços do Concelho. O próximo mês promete.»

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