«Estas presidenciais têm um paradoxo que define o tempo político. Nenhum dos três candidatos favoritos quer ser demasiado identificado com os partidos do centro, mas todos competem dentro das ideias do centro. A corrida tornou-se um exercício de mímica: cada um tenta libertar-se da máquina da governação, mas continua a falar a sua língua, a usar os seus gestos, a invocar o mesmo dicionário.
O tom foi dado por Henrique Gouveia e Melo. Quando decidiu avançar, marcou o passo de todos os outros. Apresentou-se como figura acima da política, herdeiro de uma autoridade serena, depositário de um desejo coletivo de sossego. Encarnou uma espécie de centro emocional: a vontade de estabilidade sem sobressaltos, de alguém tome conta disto sem levantar pó, sem fazer grandes perguntas, sem aborrecer demasiado. Rejeita os partidos tradicionais, mas posiciona-se exactamente entre “o socialismo e a social-democracia” (se é confuso é porque está a pensar bem). Não admira que conquiste a maior parte dos votos precisamente entre eleitores socialistas e sociais-democratas.
Os restantes candidatos seguiram-lhe o compasso. António José Seguro, que percorreu o arco inteiro do poder partidário, reapareceu como homem vindo de fora da política tradicional no seu discurso de lançamento da candidatura e pede avaliação pelo tom moderado e pelos anos de silêncio. Marques Mendes, apoiado pelo Governo, procura agora o selo de independência e encontra em Rui Moreira a chancela simbólica. Convergem num mesmo território, num centro higienizado, que tenta livrar-se de demasiado cheiro partidário, feito de prudência e frases com arestas polidas.
A entrada de André Ventura completou o quadro. A sua presença oferece tanto um contraste como uma função. Gouveia e Melo ganha com o líder do Chega um antagonista perfeito, um espelho invertido que lhe devolve gravidade. Ventura reclama a rutura, o Almirante encena a serenidade. Um eleva o pulso, o outro baixa-o. São respostas distintas ao mesmo cansaço. Um grita contra o sistema, o outro promete administrá-lo em voz baixa.
Falta, porém, o custo político deste teatro de moderação a três com um só antagonista. Um Presidente que seja escolhido pela estética da independência e pela promessa de descanso entrará em Belém com um mandato essencialmente emocional. A autoridade que nasce do alívio governa mal a fricção. Quando regressarem os conflitos reais, orçamentos verdadeiramente em risco, decretos polémicos, crises no Serviço Nacional de Saúde ou na segurança, será a serenidade suficiente para arbitrar? Que critério prevalece diante de um veto a uma lei laboral, de uma dissolução ponderada com um Parlamento fragmentado, de um governo minoritário a negociar ao fio da navalha? A liturgia presidencial pede calma, mas o acto pede escolhas.
Há ainda a economia eleitoral deste paradoxo. Ventura polariza, e a polarização valoriza o que promete contenção. O Almirante cresce cada vez que Ventura sobe o volume. Marques Mendes e Seguro disputam o mesmo lago, pescando em águas social-democratas com iscos semelhantes, e a sobreposição acaba a validar o terreno do Almirante. Três candidatos a reivindicar o centro enquanto tentam desprender-se de um carimbo partidário produzem um efeito curioso. O bipartidarismo não desaparece, reaparece na sombra de um independente que lhe toma emprestadas as ideias e lhes devolve o verniz.
Os partidos aceitam este arranjo porque resolve urgências simétricas. O Governo projeta continuidade através de Marques Mendes e, se não resultar, pode encontra na autoridade tranquila do Almirante uma almofada. O partido Socialista lá aceitou Seguro (demasiado contrariado, diga-se) e, se houver segunda volta com o Almirante e outro candidato, redistribui-se por uma saída pacificada. O eleitorado, entretanto, compra paz. A democracia, que precisa de escolhas claras, corre o risco de se habituar a uma presidência terapêutica.»

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