«Há muitas boas razões para proibir a burqa no espaço público, mas o Chega e outros partidos que aprovaram a lei que proíbe a utilização de roupas que tapem o rosto não o fizeram por nenhuma boa razão e isso importa.
Há boas razões, como há muitas questões complexas que a proibição levanta. Pela positiva, vale a pena defender a ideia de uma sociedade baseada no princípio de reconhecimento do outro, da interacção social, em que o “cara a cara” é algo intrínseco à forma como nos devemos relacionar. Proibir as burqas é igualmente rejeitar um mundo em que a mulher é sujeita de menos direitos, algo que está presente tanto na religião muçulmana como na católica.
Do lado das questões complexas está a afronta de que esta é uma proibição às opções individuais, às escolhas culturais de cada um e à sua liberdade religiosa. Para isso mesmo chamaram a atenção o Conselho Superior do Ministério Público e a Ordem dos Advogados, que deram pareceres negativos à lei.
Em Portugal, a lei apareceu de rompante, mas a medida é aplicada em França, está a ser proposta pela direita em Itália e em Espanha e há decisões dos tribunais europeus que concorrem para afirmar como sendo legítima a decisão, já em vigor em mais de 20 países. Em Inglaterra, a defesa da proibição por alguns deputados do partido de Nigel Farage provocou a demissão de Zia Yusuf, o financeiro muçulmano que presidia ao partido. O homem, que chegou a doar um quarto de milhão de euros ao Reform UK, classificou a iniciativa dos deputados de “estúpida”.
Poderá não ser estúpido, mas é muito provavelmente desproporcional criar uma lei que só se aplicará, no que à burqa diz respeito, a um punhado de mulheres em Portugal, que não representam nenhuma ameaça à segurança, como se argumenta. E é certamente hipócrita dizer que se defendem os “direitos das mulheres” quando o que se lhes deseja é “boa viagem” porque o que está em causa é “a defesa dos nossos valores”, como afirmou André Ventura, ou, no vernáculo parlamentar da deputada Madalena Cordeiro, “isto não é o Bangladesh, em que fazem tudo como vos apetece”.»
Não é só a lei que importa, mas o motivo por que é feita, e esta é só mais uma lei criada para ostracizar uma comunidade, parte de uma estratégia de demonização do outro que, pelos vistos, rende votos. Acreditar que, com esta medida, o Chega e os seus parceiros de votação – PSD, IL e CDS-PP – pretendem defender os direitos das mulheres muçulmanas e a sua integração é uma ilusão para néscios.»

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