«O tão celebrado prémio da Economist, que merecerá outro texto qui, destaca o dinamismo do nosso mercado de trabalho. Até os mais liberais veem coisas diferentes do que a ministra. Sim, temos um problema com a justiça. Sim, temos um problema com a burocracia. Sim, temos um problema com a baixa qualificação da nossa economia. Sim, temos um problema com os custos da habitação que têm de ser pagos nos salários. Não, não temos um problema com a lei laboral. E se ela não está preparada para novas realidades, não é seguramente este anteprojeto que responde a isso. Pelo contrário, como já aqui escrevi.
Não é por acaso que estas mudanças radicais à lei laboral estão ausentes do programa eleitoral da AD. Claro que o governo as decidiu esconder por sabe da sua impopularidade. Mas não foi só isso. Apesar de ter ido mais longe no programa de governo, juntou-se a fome da AD à vontade de comer da ministra, que foi, na forma e no conteúdo, mais longe do que se esperava.
Como académica, a ministra é conhecida pela sua radicalidade ultraliberal. Como advogada, nunca terá, apesar de especialista em direito do trabalho, representado um trabalhador. Sem experiência política e com uma reforma inteirinha na cabeça, Palma Ramalho sonhava com um código com o seu nome. A vaidade e a inexperiência levaram-na a acreditar que isso se faria sem negociação profunda. Que a UGT aceitaria assinar um acordo se caíssem umas propostas sobre a amamentação, lá postas como lebre. Acredito, sinceramente acredito, que a ministra tenha sido apanhada de surpresa pelo “rotundo não” da UGT e ainda mais pela consciência sindical dos Trabalhadores Social Democratas (TSD).
Luís Montenegro sabia quem era esta ministra e esperava uma reforma. Mas não esperaria que ela nem falasse com os TSD e avançasse desta forma. Subitamente, rebenta-lhe isto nas mãos: a reação sindical a uma reforma laboral talibã que nem os patrões pediram (mas agradecem os saldos, obviamente). Sem grande sensibilidade para esta área da governação, o primeiro-ministro só se terá apercebido da gravidade da coisa quando a UGT anunciou a sua adesão a uma greve geral conjunta.
Acordando tarde demais, fez o que sabe fazer. Disse que a greve era partidária, até ser desmentido pelos sindicalistas do seu partido. Lançou números absurdos de salários médios e mínimos futuros de que o país inteiro se riu e que o ministrio das Finanças veio relativizar. E, no dia da greve, atirou o ministro da propaganda para o palco, para destratar uma greve que, sejam quais forem os números, existiu e teve impacto económico e político. Um comportamento que só dificulta ainda mais o diálogo.
A ajudar a paralisação, um barómetro terá assustado Montenegro. Assustou-se com uma maioria tão clara contra esta reforma laboral e pela greve. Assustou-se com a maioria dos eleitores da AD com a mesma posição. Mas tem quatro anos para os fazer esquecer, fiando-se numa economia pendurada no turismo que já crescia quando o governo do PS caiu e continua a crescer, porque, como disse várias vezes (com Sócrates, Passos, Costa e Montenegro), estes ciclos económicos têm pouco a ver com a política interna. Mas a sua maior preocupação será outra: a grande maioria dos eleitores do Chega também se opõe ao pacote laboral. Porque essa parte Montenegro não controla.
Ventura, que se preparava para dar a mão ao governo e a quem lhe paga as campanhas, é o bom termómetro dos humores populares. E se alguém tinha dúvidas da eficácia da greve, bastava ver a cambalhota que deu no dia 11 de dezembro: da defesa da mudança de uma lei laboral “soviética” passou para recusa do “bar aberto para despedimentos”; de uma greve geral “em que só os partidos de extrema-esquerda conseguem ver algum beneficio” passou para uma greve “legítima” que mostra “um descontentamento generalizado.
Agora, o governo está com o menino nas mãos. Não pode enjeitar tão repugnante cria, mas ela é imprestável para chegar a um acordo. Reforçada pela greve, a UGT não pode exigir apenas cedências simbólicas. Sabendo que o Chega, indispensável para aprovação parlamentar, hesita, o poder negocial dos sindicatos está reforçado. Mas o que têm à frente é inegociável. Um edifício completo, totalmente inclinado para um lado, em que se pede ao outro que se limite a escolher a derrota. Ainda mais quando o primeiro-ministro diz que estamos no “topo do mundo”. Pediram-se sacrifício no tempo das vacas magras e votam-se a pedir quando as vacas engordam? Por isso, o secretário-geral adjunto da UGT, Sérgio Monte, chegou a declarar que se devia começar do zero.
Disse, desde que soube o nome desta ministra, que vinha aí uma reforma radical. Digo, desde que ouvi o nome de Jorge Bravo, que se prepara outra, para a segurança social. Os interesses que orbitam à volta desta enorme maioria de direita têm vida própria. Vemos o mesmo nos negócios da saúde. Neste caso, ficou claro que Montenegro não controla como as coisas se fazem seu governo. O comboio partiu e é provável que ele já tenha percebido que não tem como travar a sua marcha, seja para chegar à estação, seja para se descarrilar. Ou talvez já nem o queira fazer, pensando que o pior já passou.
Rui Rocha, ex-lider do aliado incondicional da ministra nesta reforma, escreveu, nas redes sociais: “A reforma laboral não chumbará por causa da força da rua. Chumbará porque Ventura está alinhado com a visão da CGTP e do PCP. A esquerda não pode cantar uma vitória que não será sua. E o Chega não pode continuar a esconder a sua natureza.” Não. A natureza do Chega está, nestes temas, genericamente alinhada com a da IL. O seu eleitorado é que é diferente. E o Chega não pretende ser um partido de nicho, como a IL. Se chumbar esta contrarreforma, é mesmo por causa da rua.
Neste momento, o governo está nas mãos do Chega. Mas não nos devemos ter ilusões. Ao contrário do que nos quer vender a IL, para escavar a fronteira que, para além das boas maneiras, lhe sobra com Ventura, os seus financiadores do Chega são os que são e a natureza do partido é a que é (voltarei a isso noutro texto). Esta conversa durará até às eleições presidenciais, em que Ventura pretende crescer.
Uma coisa é certa: a greve geral foi apenas o primeiro episódio de uma luta que será longa. Sindicatos, que deram uma enorme lição de unidade na semana passada, e trabalhadores que não se podem fiar nos cálculos de Montenegro e Ventura. Têm de mostrar o preço que terá esta afronta. Certo é que no dia 12 de dezembro já estavam mais fortes do que a 10.»

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