28.12.25

A utilização dos “interesses” dos jovens como propaganda ideológica

 


«É comum, no todo do espetro político, uma instrumentalização dos “interesses da juventude”, para fazer passar uma corrente ideológica. Ora, isto não é nada de novo, desde sempre que tanto a esquerda como a direita focam o seu debate e a sua campanha nas condições dos jovens portugueses, pegando em questões como o ensino, a habitação, e a emigração. O tema dos jovens sempre foi e será utilizado para fins de propaganda, muitas vezes mal fundamentados e algo sensacionalistas, como a mítica e secular frase: “A juventude já não quer trabalhar”.

Existem dois grandes problemas no tema da juventude.

O primeiro refere-se ao suposto silêncio da atividade política da juventude. Parece haver uma evasão, por parte dos noticiários, à presença dos jovens em atividades políticas, nomeadamente àquelas que se enquadram no espetro da esquerda. Exemplo disso foi a recente luta pelo fim à propina no passado dia 28 de outubro, que reuniu milhares de jovens de todo o país e que se manifestaram em frente da AR durante um tenebroso temporal. Esta teve, no geral, pouca atenção mediática, que parece ter sido desviada, como de costume, para a conduta do Chega no parlamento, ou neste caso, na discussão do OE. Outro exemplo foi a passada greve geral, no dia 11 de dezembro, que reuniu um vasto número de jovens, tanto na manifestação em si, como nos piquetes de greve. A sua participação foi, no entanto, reduzida pelos meios de comunicação aos protestos do final da tarde em frente à AR.

Este silêncio contribui para fomentar a ideia de que os jovens estão alienados do mundo da política, reforçada por análises constantes, nem sempre fundamentadas, de que a juventude está a virar à direita e que muitos jovens preferem, nos dias de hoje, conformar-se à política das redes sociais e de entretenimento, dominada pelo debate sensacionalista e, no contexto português, pelo Chega. Isto é, na sua essência, uma falsidade. Os jovens continuam a ter uma grande capacidade de mobilização e de ativismo em várias frentes, isso apenas não nos é mostrado.

Ora, sendo os jovens, ao longo da história contemporânea, uma das grandes entidades mobilizadoras das lutas sociais, a partir do momento em que é construída a noção de que estes desmobilizaram em favor da atividade, mais ou menos passiva, na esfera digital, cria-se, intencionalmente, a ideia de que a luta social morreu e que esta não só acontece apenas no campo digital, como é liderada pela direita radical.

Tudo isto traz duas consequências: o crescimento da direita radical, na medida em que esta prevalece nas redes sociais; e o facto de que o silenciamento dos jovens é benéfico para a “outra direita”, simplesmente pela sua voz, tal como as suas manifestações, não lhes serem convenientes.

O segundo problema tem que ver com a campanha dos comentadores que dominam o espaço público e que agravam o problema do silenciamento dos jovens através do ato de sobreposição. Há uma obstinação do comentário político falar em nome dos mesmos, para além de inúmeras tentativas de evocar o que são os interesses dos jovens. Este ponto, ao contrário do anterior, não é exclusivo à direita, mas sim inerente a todo o espetro político, excetuando alguns que dão genuína voz aos jovens.

Para estes, é mais importante falar-se do que se acha que os jovens querem do que destacar os seus problemas e ouvir as suas reivindicações, para não falar dos disparates de que os jovens já não querem estabilidade e trabalhar num determinado sítio a vida inteira, ou de que os jovens estão a desviar-se do ensino superior para fazer dinheiro e dedicarem-se ao empreendedorismo.

Talvez fosse mais vantajoso que os comentadores se dedicassem à análise do porquê destes problemas, ao invés de apenas comentarem sem fundamento absolutamente algum.

Os jovens demonstram todos os dias e de diversas formas quais são, exatamente, as suas verdadeiras adversidades e reivindicações.

Por isso, é importante que a política não gire em torno de uma retórica fácil e repetida vezes sem conta. Se os jovens gritam não será melhor ouvi-los e tentar compreendê-los em vez de querer impor ideias feitas e destituídas de realidade?»


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