«A unanimidade quanto à inconstitucionalidade de três normas da Lei Nacionalidade e o voto esmagador contra uma quarta (um voto vencido) deixam pouca margem de manobra para queixumes. Todas as questões levantadas eram previsíveis, do tempo de residência não ser contado a partir do pedido à referência a vagos comportamentos que ponham em causa a adesão a uma ideia indeterminada de comunidade nacional, que permitiria todo o tipo de arbitrariedade política, passando pela criação de uma pena eterna que impediria alguém condenado de alguma vez vir a ser cidadão português.
O governo não ficou espantado. Sabia, como o Chega sabia, que o desfecho seria mais ou menos este. Mas entre os valores constitucionais e a cedência ao Chega, escolheu a segunda. A tática é evidente: acompanha-se a demagogia e deixa-se para o Tribunal Constitucional o ónus do chumbo. O Chega que fique a debater com os juízes e com o “sistema”. Cobardia, portanto.
Sintomático da pouca resistência política ao este tempo é o facto de vários candidatos à presidência (um deles jurará cumprir e fazer cumpri a Constituição) terem anunciado que dispensariam a verificação da constitucionalidade de normas que se revelaram inconstitucionais. Marques Mendes, repetindo, como sempre, a narrativa do governo, tinha-se justificado: esta versão da lei já era mais equilibrada, como se isso esclarecesse a sua constitucionalidade. Voltando a repetir, quase com as mesmas palavras, a reação do governo, diz agora que o essencial da lei sobreviveu. Não sobreviveu o que era inconstitucional e que, se dependesse dele, não teria sido verificado.
No conteúdo e na tática, Marques Mendes segue o governo. E nada nos diz que não faria o mesmo em Belém. Para conseguir simular alguma independência (como costumava fazer no comentário político), o candidato da AD arranjou um truque: disse que pediria apenas a verificação da norma que foi incluída no Código Penal – a que transformava os portugueses “não-originários” em cidadão de segunda, punidos diferentemente pelo mesmo crime, como se fossem nacionais à experiência. É fácil perceber porque foi autonomizada da Lei: o governo sabia, até porque isso já tinha sido sinalizado, que propunha a inconstitucionalidade, por grosseira desigualdade perante a lei. Defender a Constituição é um dever de todos. Não aprovando leis que se sabe, à partida, que não a respeitam, por exemplo.
A partir daqui, começará um outro debate: a composição do Tribunal Constitucional. A inclusão de juízes indicados pelo Chega começa a ser um perigoso ponto assente. Estamos a falar de um partido cujo o seu líder disse, mais do que uma vez, que se está “nas tintas para a Constituição”. Que, em relação a esta lei, apelou a que os juízes ignorassem a lei fundamental em troca de apoio popular. Não é para defender o que despreza que indicará qualquer nome.
Dirão: estamos a falar do segundo partido com mais deputados. Se o legislador valorizasse, antes de tudo, uma representação proporcional dos partidos no TC teria instituído essa forma de eleição. Optou por obrigar a uma maioria de dois terços para cada juiz (o que já levou ao chumbo de vários candidatos propostos pelo PS ou pelo PSD), exatamente para criar, entre outras coisas, uma maioria de bloqueio a juízes fora do arco constitucional.
Impressionante é ver como, mesmo depois do que aconteceu com o Supremo dos Estados Unidos, que passou a ser a linha avançada a destruição de uma democracia constitucional e do poder ilimitado do Presidente, tanta gente continua a correria para o abismo. Apenas porque, como Montenegro, não aguenta a impopularidade de ter princípios.»

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