«O Mundo sempre esteve em mudança e, no presente, convivemos com uma quase verdade de que nunca as mudanças foram tão amplas nos planos quantitativo e qualitativo. Contudo, são muito profundas as diferenças de opinião sobre o que muda, porque muda e a favor de quem muda. A verdadeira origem dos problemas com que nos debatemos é muitas vezes manipulada. Precisamos de crivos que separem o trigo do joio e o melhor deles é, pela sua consistência e complementaridade, o dos valores.
Os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade estão impregnados na nossa cultura desde há muito tempo. E, como ideal de cidadania, pelo menos desde a revolução francesa. Sem liberdade não há respeito pela diversidade. Sem igualdade não há o chão comum em que todos possamos ser justamente respeitados. Sem fraternidade não há solução para os desafios que são de todos e que só coletivamente se podem enfrentar com êxito.
Para que uma sociedade permaneça coesa e saudável, a fraternidade tem um lugar central. Infelizmente, hoje é muito desvalorizada. O individualismo exacerbado incita a que cada um se "liberte" do outro e das necessidades dos outros, e a negar aos outros as dimensões de humanidade que reserva para si. A normalização da exploração do homem pelo homem, a meritocracia tornada instrumento de aprofundamento de desigualdades e injustiças e o endeusamento do lucro matam a fraternidade.
Na sua mensagem de Natal, a Conferência Episcopal, procurando abrir "horizontes de futuro e de esperança" a partir dos significados desta celebração, convida-nos - a todos e não apenas os católicos - a sermos "proximidade amiga e ativa", designadamente para com: "As famílias consumidas pelo elevado custo de vida; os jovens que não encontram futuro por falta de emprego digno e habitação; os migrantes que encontram desconfiança, indiferença e portas fechadas; as vítimas da pobreza que se tornam invisíveis; os profissionais de saúde exaustos que procuram responder aos constrangimentos no acesso aos serviços".
Na interpretação católica, o acontecimento do Natal transporta-nos ao exemplo do percurso de vida e de ação de um Homem - Jesus Cristo. Esse Homem foi operário, conheceu a exploração dos pobres e dos trabalhadores, denunciou agiotas e falsos moralistas, questionou a classe rica e dirigente, denunciou fanáticos dos rituais religiosos que excluíam e condenavam quem não fosse como eles. Foi obreiro de ruturas quando as injustiças e as intolerâncias o exigiam. Era tolerante, mas nem sempre moderado. Não se coibiu de "expulsar os vendilhões do templo".
O endeusamento da riqueza material cada vez mais mal distribuída, a promoção do egoísmo e o desprezo pelo outro, a banalização da guerra, a tolerância face à mentira, a exploração desenfreada de quem trabalha em nome das virtudes do produtivismo merecem o nosso combate e não a nossa sujeição. Nesta quadra, e sempre, assumamos a luta por valores humanos.»

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