«Após o chumbo à lei dos estrangeiros em agosto, o que mais choca no segundo chumbo do Tribunal Constitucional a leis deste Governo (agora à lei da nacionalidade), não são tanto as quatro normas reprovadas, mas muito mais o que fica por apreciar. O chumbo era expectável e impõe-se sem cuidar de impedir que a lei prossiga. Por isso, com alguma razão, o Governo considere que - no essencial - o diploma continua na sua estrada rumo à fronteira. Uma fronteira incerta, mas inapelável, criada artificialmente por uma percepção de perigo que escapa à compreensão e à realidade dos números. Vivemos tempos perigosos em que as suspeições se elevam a factos e a conspiração se faz como um modo de vida.
Sem surpresa, a decisão unânime do Tribunal Constitucional refere a "afronta à Constituição" que decorreria da autorização para a retirada da cidadania a cidadãos naturalizados no caso da prática de crimes graves, como se fosse possível violar o princípio da igualdade, num piscar de olhos, distinguindo seres humanos pelo berço. Para que depois viesse um diploma que nos distinguisse pelas cores, pelos sexos, pelo estrato ou condição, numa espécie de contagem de direito à humanidade com base no currículo do deve e do haver, como se pertencêssemos todos à contabilidade e apuramento de delitos para a perda de pontos numa carta de condução. Para além de penalizar os cidadãos dos países que consentem a dupla nacionalidade (países como a China, Índia, Bangladesh, Paquistão ou Nepal não a permitem), é uma aberração que abre a porta ao tratamento diferenciado entre iguais.
Assim que a nova lei seja aprovada, Portugal integrará o lote de países mais restritivos da Europa no que concerne à atribuição de títulos de residência, exigindo um período temporal de sete anos. Numa altura em que a Itália arrepia caminho em relação às medidas mais limitativas, Portugal afasta-se da França, Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Irlanda, Suécia ou Países Baixos, onde se exige cinco anos de residência aos imigrantes. Mas há algo mais chocante e que não merece suficiente atenção, talvez por ser tão impróprio que configura o que não pretendemos falar. Tal como está, esta é a lei que criará um enorme número de crianças apátridas, sem terra, tendo em conta que a nacionalidade portuguesa só será atribuída quando um dos pais completar cinco anos de residência. A incapacidade da AIMA, IRN ou dos consulados para avaliar e resolver estas questões é mais do que previsível, é evidente. As recentes restrições ao reagrupamento familiar farão o resto. Um país orgulhosamente criador dos seus apátridas.»

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