Boaventura Sousa Santos à 5ª:
«É possível imaginar duas vias por onde pode surgir um tal adversário. A primeira é a via institucional: líderes democraticamente eleitos reúnem o consenso das classes populares (…) para praticar um acto de desobediência civil contra os credores e o FMI, aguentam a turbulência criada e relançam a economia do país com maior inclusão social. (…)
Em Portugal, um país integrado na UE e com líderes treinados na ortodoxia neoliberal, não é crível que o adversário credível possa surgir por via institucional. (…)
A segunda via é extra-institucional e consiste na rebelião dos cidadãos inconformados com o sequestro da democracia por parte dos mercados financeiros, com a queda na miséria de quem já é pobre e na pobreza de quem era remediado. A rebelião ocorre na rua, mas visa pressionar as instituições a devolver a democracia aos cidadãos.»
Boaventura Sousa Santos à 6ª:
«O que neste momento se está a definir como solução para a crise que o país atravessa não fará mais que aprofundá-la. Eis o itinerário. A intervenção do FMI começará com declarações solenes de que a situação do país é muito mais grave do que se tem dito (o ventríloquo pode ser o líder do PSD, se ganhar as eleições).(…)
Feita a intervenção de emergência – que os portugueses serão induzidos a ver como uma necessidade e não como um certificado de óbito às suas justas aspirações de progresso e de dignidade –, entra o Banco Mundial para fornecer o crédito de longa duração que permitirá “reconstruir” o país, ou seja, para assegurar que serão os mercados e as agências de rating a ditar ao país o que pode e não pode ser feito. (…) Claro que pode haver complicadores. Os portugueses podem revoltar-se.»
Boaventura Sousa Santos ao Sábado:
«Em segundo lugar, um compromisso entre os principais partidos, com o apoio do Presidente da República, no sentido de assegurar que o próximo Governo será suportado por uma maioria inequívoca, indispensável na construção do consenso mínimo para responder à crise sem a perturbação e incerteza de um processo de negociação permanente, como tem acontecido no passado recente; numa perspectiva de curto prazo, esse consenso mínimo deverá formar-se sobre o processo de consolidação orçamental e a trajectória de ajustamento para os próximos três anos prevista na última versão do Programa de Estabilidade e Crescimento.»
(Os realces são meus.)
O que se seguirá?
(publicado também em Portugal Uncut)
...
12 comments:
Excelente apanhado ou sucessão de flagrantes, Joana. A mistificação desta feita vai longe de mais para surtir efeitos de maior e o feitiço é bem capaz de se virar contra o feiticeiro ( que, na circunstância, a referência à feitiçaria impõe-se). Esperemos que assim seja.
msp
Eu dou o benefício da dúvida, Joana. Todos sabemos como se fazem estes documentos colectivos e dou de barato (até prova em contrário) que BSS tenha assinado distraidamente o documento do Expresso. Se assim foi, foi um erro lamentável, mas um erro. E não será ele que nos pode levar a desvalorizar num instante as posições lúcidas e corajosas que tem tomado ao logo da vida e também nas últimas semanas.
(Posso estar enganado, evidentemente, e BSS pode assinado com convicção, mas mesmo assim...)
Claro que também pensei nessa hipótese, Rui: a de BSS ter assinado distraidamente ou algo de parecido. Mas, se for esse o caso, ele pode e deve, na minha opinião, dar uma explicação pública das suas razões. Daí, a frase que pus no fim do post: «o que se seguirá?».
É que não está apenas a ser objecto de crítica ou chacota em blogues e Facebook. Tive a TV ligada durante a tarde e tudo quanto é comentador (e sabemos de onde vêm…) o referiu para defender a única saída de grande «centrão»: «Até o BSS o subscreve, etc., etc.».
Eu não lhe dou o benefício da dúvida. Na melhor das perspectivas, assinou um texto sem o ler e sem saber que iria aparecer ao lado do Belmiro de Azevedo a defender o PEC IV.
Custa-me a acreditar nesta hipótese, mas amanhã já veremos se sai algum desmentido. De qualquer forma, a única forma de BSS manter a sua coerência é expôr-se ao ridículo de desmentir a sua adesão a este texto. Não há forma de ele sair a ganhar disto.
Ah, sim, claro que se assim tiver acontecido ele deverá dizer alguma coisa...
Pois... não sei se o assinou sem o ler ( o que á grave ) e também não sei se sabia que Belmiro e o patrão do Pingo Doce também o iam assinar ( mais grave ).
Lá diz o povo : "Diz-me com quem andas...
No fim de contas estão todos instalados na vida e dependem do sistema.
Bom fim de semana
Caro Rui,
parece-me extremamente improvável num crítico da razão indolente a distracção ou irresponsabilidade que seria assinar um texto como o do "comprimisso nacional" sem o ler - para nao dizer nada do silêncio subsequente, inexplicável no caso de a tua hipótese "queda numa armadilha" se ter verificado.
Mas há mais: além do "compromisso", do qual é subscritor, a Joana publica aqui uma peça que não lhe fica atrás e que não pode ter sido escrita por distracção - a não ser alargando o conceito desta de modo a incluir a clivagem esquizofrénica.
No entanto, vendo bem as coisas, à luz do seu antieuropeísmo contumaz, do seu profetismo terceiro-mundista de longa data, do seu desprezo reiterado pela democracia, do seu nacionalismo pós-modernizante, etc., etc., talvez a sua assinatura do "compromisso" não seja tão surpreendente como parece a alguns. Surpreendente é, sim, o alcance da mistificação empreendida e que este post da Joana põe bem em evidência: fazer passar uma "capitulação" tida por necessária ou "necessidade" tida por incontornável - posição de que discordo, mas posso compreender que outros adoptem, sem por isso deixar de a combater - por conclusão de uma lógica de insubordinação e resistência. É como se Mário Soares em vez de declarar, nos anos de liquidação do PREC, que, dadas as circunstâncias, tinha de pôr o socialismo na gaveta, tivesse declarado que estava mais apostado do que nunca, com as políticas que então adoptou, a levar por diante a construção do socialismo. Por muito aberrante que consideremos a atitude de Soares nessa época - o secretário-geral de um Partido Socialista a encarregar-se da tarefa de engavetar o socialismo -, ou a de Lenine, quando propôs que os bolcheviques se encarregassem de fazer o Termidor - sem lhe chamar, porém, a Tomada da Bastilha - para conservarem o poder, a mistificação que BSS opera deixa para trás essas e outras aberrações, e evoca irresistivelmente os traços mais sombrios das mais sombrias expressões do "duplipensar" denunciado por Orwell.
Ou continua a parecer-te que exagero?
msp
Tudo é possível,já imaginaram um "infiltrado nas teias do poder?"
Acho um exagêro, sim, Miguel. E não direi grande por isso ser pleonástico...
Não foi distracção do BSS, Rui. Publiquei agora esta adenda.
Joana Lopes o mais delicioso de tudo o que vem acontecendo é este painel de comentários. Vale a crise, o FMI, a UE, e já nem digo o BPP e o outro banco que me faltam as letras ... que são coisas já antigas. Imagine-se só que o professor Boaventura, coitado, assina de cruz, distraído, talvez até engripado ...., tadinho.
Francamente, ao que chega a religião, o raio do culto de personalidade em torno do homem, ele próprio sequioso disso, os circundantes apoiando, reproduzindo, que coisa ...
Nem vale a pena discorrer mais. Ridículo. Confesso-lhe JL que aqui, nesta sua caixa, me estou a rir, mas com aquela sensação de vergonha pela gente alheia que por vezes nos irrompe.
que cena macaca ...
Epá! Eu tenho o Boaventura Sousa Santos no mais alto da minha consideração! Mas o que é que aconteceu aqui? Que disparate disse ele no Sábado?!?!?! Que reviravolta foi essa?!?!?!
Enviar um comentário