30.9.18

Pobreza



«Desculpem. Eu sei que não gostam da palavra pobreza. Que ninguém quer ouvir falar disto. Que vos estou a maçar num fim de semana. Que não é sexy. Que não é confortável. Que não é “conversa que se tenha”. Que não está no mainstream da discussão política. E já agora, não está, porquê? Consta que este é um Governo de esquerda. Convinha que se notasse.

Eu percebo. Quem não é pobre — e a maioria dos leitores do Expresso não o é — prefere que se escondam os pobres em bairros sociais que ficam lá no fim de uma linha de autocarro que ninguém quer saber sequer como funciona ou não funciona. Mas tenham paciência: é uma conversa que temos de ter. E como sabem os que me leem às quartas no online do Expresso, vamos tê-la pela segunda vez esta semana.

Esta semana acordei com uma notícia da TSF segundo a qual uma mãe com duas filhas, família monoparental, está visto, ia ser despejada da casa de habitação social que ocupou (ilegalmente, é certo) porque... ganha 580 euros e com 500 e poucos euros líquidos de rendimentos mensais já não se qualifica para apoios sociais.

É um caso que dói ouvir; basta imaginar que estamos no lugar dela. Vá. Não custa nada. 25 notas de 20 euros a terem de dar para tudo. Habitação, alimentação, água, luz, gás, material escolar, comunicações. 25 notas de 20 euros. Eu não conseguiria. Eu não sei como se faz. Como se vive assim, ou melhor, como se sobrevive assim.

Entre a pobreza extrema e a mediana de subsistência mínima temos toda esta classe dos pobres que trabalham. Não tão pobres que tenham acesso a apoios sociais, mas suficientemente pobres para não conseguirem ter uma vida minimamente decente. Não se compreende como aceitamos isto com naturalidade.

A política de baixos salários, o tabu em torno de se explicar que a nossa falta de competitividade externa não é um problema de produtividade dos trabalhadores, é um problema de produtividade da Economia, sendo a diferença aqui que se tem em conta a ineficiência na obtenção, organização e gestão dos bens de capital, e que não se resolve criando um exército de pobres trabalhadores ou, melhor, trabalhadores pobres, tudo isto tem de poder ser discutido.

Estes salários, que aliás estão ainda uns 6000 milhões de euros abaixo dos níveis comparáveis pré-crise se medirmos os rendimentos de trabalho em percentagem do PIB, criam toda uma classe de pobres envergonhados da sua pobreza, envergonhados de saberem que o seu trabalho duro não é suficiente para o seu sustento e dos seus. Fazem mal. A vergonha não é deles. É nossa.»

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