Há muitos anos que não comprava o Nouvel Observateur, a que era tão fiel quanto possível (e era difícil) antes do 25 de Abril. Reencontrei-o agora mais pequeno, mais leve, mas ainda com Jean Daniel como director – ele que foi um dos seus fundadores, em 1964.
O tema principal do último número (6-12/9/2007) é École – Le scandale de l’illéttrisme e incide sobre os problemas relacionados com a aprendizagem da língua francesa, a todos os níveis (*).
As perspectivas são menos que animadoras.
No fim do que corresponde ao nosso actual 6º ano, 15% dos alunos não dominam o francês, nem escrito nem oral, sendo considerados iletrados. Outros 25% têm conhecimentos suficientemente frágeis para ser possível prever que terão um futuro escolar muito difícil. Um professor afirma que é evidente que seis em cada sete dos seus alunos do 10º ano aprenderam muito mal a ler.
São referidos exemplos extraordinários de desconhecimento de vocabulário por parte de alunos que frequentam o 2º ano de uma Faculdade de Letras. Exemplos?
Homicídio é um crime no domicílio.
Xenófobo é alguém que tem medo de estar fechado.
Autóctone é o que gosta de viver de noite.
Esporádico é um drogado em desporto.
Um professor de Farmácia pediu a alunos do 4º ano da Faculdade que respondessem a uma pergunta em que era referido um medicamento «aquém do limite de toxicidade». Muitos dos alunos confundiram «aquém» com «além» e deram por isso uma resposta errada.
Há quem tome medidas drásticas. Uma Faculdade de Engenharia introduziu uma prova de entrada, eliminatória, de expressão escrita, com incidência em ortografia, sintaxe e vocabulário. Há Faculdades de Letras em que são feitos ditados. Algumas empresas proporcionam aulas de ortografia aos seus empregados.
Parece que o problema se agrava de ano para ano: os professores que têm agora trinta anos já não se reconhecem nas gerações seguintes.
São procuradas razões, atribuídas culpas – por exemplo, a diminuição de horas dedicadas ao estudo da língua e o aligeiramento do ensino da Gramática que passou a ser designada como ORL («Observation Réfléchie de la Langue»).
Dão-se conselhos, mas, aparentemente, sem grande esperança de soluções à vista.
Eu, que tive uma presença francófona muito forte na minha formação, habituei-me a ver um grande culto, por parte dos franceses, em tudo o que à sua língua dizia respeito. Quantas vezes não os ouvi citar Boileau que escreveu em Art Poétique:
«Ce qui se conçoit bien s’énonce clairement et les mots pour le dire arrivent aisément».
Ainda será verdade? Eu acho que sim.
E deixo uma pergunta a quem anda por aí a ensinar jovens: a situação é tão má em Portugal?
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(*) Grande parte do dossier está disponível aqui.
1 comments:
... não: é pior!
Mas há quem diga que se trata de uma crise de crescimento. E que no quadro da nova civilização emergente torna-se necessário encontrar também outras formas de expressão e novas línguas capazes de lidar com os novos conceitos.
Por exemplo:
também = tb
beijos = bj
querido = kd
etc.
O caso não me parece grave. Já Witgnesttein (será assim que se escreve?)dizia que o essencial está para além das palavras :-(
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