5.11.07

Memória na História

Li com o maior interesse o texto Pela História Oral que Manuela Cruzeiro acaba de publicar no Passado/Presente.

Nele se fala, entre muitas outras coisas, da memória, «a mais épica» das faculdades do homem, do fascínio da memória oral, do seu papel especial nos «momentos de crise como as revoluções em que a pura racionalidade abstracta dos conceitos e dos sistemas cede face à invasão de elementos supra ou infra racionais», das características e do estatuto da História Oral.

Historiadora que não sou, entrei destemida e atrevidamente por esse universo quando escrevi Entre as Brumas da Memória. Se é verdade que reuni e estudei centenas de documentos escritos, sem o recurso à oralidade, com dezenas de pessoas, muitas das «histórias» que contei não existiriam ou seriam radicalmente diferentes – e mais erróneas. Escrevi aliás na introdução do livro:
«Em muitos casos, por inexistência de testemunhos escritos, a reconstituição foi feita por simples recurso à memória, pessoal ou colectiva. Com a fascinante experiência do carácter selectivo, porque afectivo, dessa memória: de um mesmo facto, vivido por vários intervenientes, alguns lembram-se de certos episódios e esqueceram totalmente outros. Cada um guardou, sabe se lá onde e porquê, a sua parte das histórias.» (p. 18)

Talvez em parte por isso seja tão sensível ao conceito de História Oral e a tudo o que com ela se relaciona, nomeadamente aos resultados que conheço do trabalho de Manuela Cruzeiro e do Centro de Documentação 25 de Abril.


Manuela Cruzeiro fala da necessidade de debate «sobre o estatuto científico-académico da História Oral», lembrando que «o testemunho constitui a estrutura fundamental da transição entre memória e história».

Tendo a crer que não é um debate pacífico.

No livro que acaba de publicar sobre a PIDE (*), Irene Pimentel diz expressamente (pp. 15-16) que optou «por não utilizar a chamada história oral», entre outros motivos porque «o testemunho oral é “provocado” pelo historiador, que, ao interrogar a testemunha, constrói a sua própria fonte, utilizando-a à maneira de um produtor». Conclui que «quando se trata de estabelecer factos cinquenta anos depois, são os documentos da época que marcam a diferença».

Sinto – pressinto – que é uma discussão que dá pano para mangas. Mas eu não tenho o pano – ficarei pois sem as mangas.

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(*) Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores / Temas e Debates, 2007, 576 p.

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