2.4.08

Viver em Praga, depois de 68















Maria (nome fictício) viveu cinco anos na Checoslováquia. Conhecemo-nos pouco depois do 25 de Abril, não nos vemos há muitos anos, reencontrámo-nos porque ela descobriu este blogue.

Pedi-lhe um testemunho sobre a sua experiência de vida naquele país. Aqui fica, extraído de um longo mail, depois de omitidas algumas passagens de carácter muito pessoal.

Sem comentários. Esta história, contada com tanta simplicidade, fala mais alto do que revisões de matérias que, infelizmente, todos conhecemos demasiado bem.


«Cheguei a Praga com 17 anos, em Julho de 1969, naturalmente entusiasmada com a ideia de ir viver num país socialista.

Levaram-me para um hotel luxuoso situado no centro da cidade. Nunca vira nada de semelhante e, perante o meu espanto, explicaram-me que era assim que recebiam as entidades políticas estrangeiras importantes e as suas famílias.

Desconhecia, por completo, o que se tinha passado em 1968 e ninguém me falou então do assunto.

Integrada num grupo de estudantes de várias nacionalidades, fui para uma espécie de palácio, em regime de internato, para participar num curso intensivo de checo. Só podíamos sair uma vez por semana, mas foi durante essas saídas que conheci jovens checos.

Foi também então que começaram as surpresas. Eu que, em Portugal, tinha participado em manifestações contra a guerra do Vietname e contra os Estados Unidos, fui encontrar ali, num país dito socialista, pessoas da minha idade que só pensavam em fugir para qualquer parte e que adoravam os americanos.

Contaram-me então o que se passara um ano antes. Havia uma tristeza e uma revolta enormes em relação à invasão russa cujas marcas nas fachadas da Praça Venceslau eram bem visíveis – e sê-lo-iam por muito tempo.

Eu tentava falar-lhes da nossa ditadura, da falta de liberdade, das prisões, mas explicavam-me que lá era igual.

Para mim, tudo isto foi muito dramático, mas, quando tentei discutir o assunto com quem de direito, foi-me dito que não podia ter opinião nem meter-me "onde não era chamada".

Durante cinco anos, vivi na cidade mais linda da Europa com um povo fantástico, uma cultura geral impressionante, aprendi a gostar de música clássica, de teatro, de museus, de história e, sobretudo, a NÃO querer aquele socialismo para Portugal.

Tudo isto é muito pessoal, muito emocional e pouco político, mas foi a experiência do fim da minha adolescência, toda ela feita de descoberta de contradições – e de muitas mentiras.»

7 comments:

F. Penim Redondo disse...

"Durante cinco anos, vivi na cidade mais linda da Europa com um povo fantástico, uma cultura geral impressionante, aprendi a gostar de música clássica, de teatro, de museus, de história e, sobretudo, a NÃO querer aquele socialismo para Portugal."

Há qualquer coisa de paradoxal neste retrato idílico. Como se a liberdade não servisse para nada senão para termos o sentimento de a possuirmos.
Se calhar é mesmo isso...

Joana Lopes disse...

Já li duas vezes e não percebo mesmo o que queres dizer. Desculpa lá mas troca isso por miúdos.

F. Penim Redondo disse...

É muito simples. Se a sociedade checa era tão culta e civilizada pode perguntar-se: que falta lhe fazia então a liberdade ?

Eu respondi que talvez a liberdade seja precisamente uma daquelas coisas que o ser humano tem que ter mesmo quando aparentemente não lhe resolve nenhum problema.

Outra hipótese é que talvez os anos tenham levado a autora a mitificar uma realidade que afinal não era assim tão idílica...

Joana Lopes disse...

A primeira parte, quanto à liberdade, nem parece tua! Todos nós sabemos que Praga é lindíssima, que a vida cultural naquele país era como a Maria diz, mas havia e,sobretudo NÃO HAVIA, tudo o resto. Ou não?

Já agora: nós dois também não vivíamos assim tão mal no tempo do fascismo: tínhamos Sol, bons ordenados, podíamos ir a Paris ao cinemaetc., etc. Então poque é que foste parar com os costados a Caxias?

F. Penim Redondo disse...

"...nós dois também não vivíamos assim tão mal no tempo do fascismo: tínhamos Sol, bons ordenados, podíamos ir a Paris ao cinema etc., etc."

Esta é que nem parece tua, mesmo com o Sol (que os fascistas não podiam ocultar) e o bom ordenado (que me era pago por americanos)senti-me sempre sufocar na falta de horizontes. A última coisa que algum português diria de Portugal nessa época é que havia "uma cultura geral impressionante, aprendi a gostar de música clássica, de teatro, de museus, de história..."

Bom, parece que nesta questão eu estou a tentar enfiar um quadrado num círculo, assim não vamos lá.

Não faz mal, os amigos como nós podem viver perfeitamente com estes desentendimentos.

Joana Lopes disse...

Nada que não se resolva num próximo jantar de sushi e tempura.

A Maria é que já não tem nada a ver com isto...

Cristina disse...

"Como se a liberdade não servisse para nada senão para termos o sentimento de a possuirmos."

penso que sim... de facto, ainda que não saibamos o que fazer com ela, é importante que está lá. até porque quando existe acabamos sempre por arranjar uma saida. literalmente....