1.7.08

Memória e silêncios


Aqui ao lado, nos «Caminhos da Memória», quinze dias de existência e um mar de textos sobre muitos temas, muitas vidas, muitas histórias esquecidas.

Reflexões teóricas também. Como esta de Manuela Cruzeiro, cuja leitura na íntegra recomendo: «Pior do que uma voz que cala é um silêncio que fala».

«Não podemos pedir à história o que ela não pode dar. A verdade não se reduz àquilo que pode ser verificado e explicado por qualquer sequência lógico-causal, por séries cumulativas de factos e datas, que organizam os acontecimentos, mas pouco nos dizem sobre o seu real sentido. A realidade é diferente da totalidade dos factos acontecidos. Tem a ver também com a nossa relação com o mundo e com os outros. E se sabemos quase tudo sobre as circunstâncias históricas (materiais, técnicas, burocráticas, jurídicas) que possibilitaram quarenta e oito anos de fascismo, já passado, mantemos uma paradoxal incompreensão sobre a significação ética e política dessa experiência totalitária, bem como da dimensão humana dos acontecimentos. Isto é, da sua real actualidade. Do que a sua dimensão de tragédia, sobretudo nos mais dolorosos episódios da prisão, da tortura e da morte (expoente máximo do esquecimento) nos interpela e questiona hoje.(...)

Por mais que custe reconhecê-lo, o medo, essa arma poderosíssima dos ditadores, sobrevive-lhes estranhamente. Não fomos a feliz mas improvável excepção. A terrível eficácia da política do silêncio e da invisibilidade não terminou com a liquidação da ditadura em 25 de Abril de 1974. (...)

Só a memória é o caminho para a cura. Não a memória asséptica e arquivada. Mas a memória viva e activa, inscrição no presente de algo sedimentado por camadas de silêncio ruidoso e de ofuscante invisibilidade. Um grito contra a impunidade do tempo.»

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