3.11.08

Ainda a propósito da biografia de um inspector da PIDE

«O PCP é hoje uma relíquia estimável se for mantida à distância, como curiosidade sociológica. Se o deixam à solta ele faz o que sabe: destrói arquivos, apaga fotografias, escreve resumos de manuais, insulta. No caso do último livro de Irene F. Pimentel o comportamento do director do jornal Avante foi paradigmático.»

A ler, na íntegra, o texto de Luís Januário.

10 comments:

Anónimo disse...

«Se o deixam [0 PCP] à solta...»
Isto já não é só branquemento do fascismo. Sugere-se aqui o quê?

Anónimo disse...

O pormenor do Avante! online ou offline é circunstancial. Aliás, assaltos de hackers-hooligans - lamentáveis, sem dúvida - há-os por toda a parte e em todo o tipo de sites. Esta é que é a questão essencial: que o director do dito jornal tenha escrito aquilo que escreveu é de uma gravidade inadmissível. Consentânea, porém, com a velha tradição de transformar os sectores de uma opinião «à esquerda» que se não controla, ou de áreas capazes de contestarem a manipulação da «verdade», em czaristas, trotzquistas, zinovievistas, fascistas, agentes da Gestapo, do Kuomitang, da CIA, da Mossad, etc. e tal.

Quanto ao PCP «à solta» nada de pânico. É óbvio, para quem saiba ler, que Luís Januário não quer meter ninguém na prisão. Mas percebe-se o que ele quer dizer: não se pode deixar o PCP «à solta» a manipular o passado à sua maneira. Concordo.

Anónimo disse...

E com o Luís Januário ficámos a perceber mais uma ponta da nossa história que os comunistas têm escondidos em bunkers secretos com quilómetros de distância:

O PCP foi fundado por Salazar.

Genial

Agora sim branqueamos à grande!

Anónimo disse...

Na blogosfera, sobretudo a partir do blogue Entre as brumas da memória, desencadeou-se mais uma campanha contra o PCP. O momento não deixa de ser oportuno para todo o universo anticomunista. A proximidade com o XVIII Congresso do PCP aguça o apetite dos que suspiram e aspiram pelo fim do PCP. Por outro lado, a ausência de polémicas anti-comunistas na preparação deste Congresso - ao inverso dos grupelhos anti-comunistas de João Amaral, Edgar Correia, Carlos Brito, etc. - dificultou a vida a toda essa gente. Assim, nada melhor do que “pegar” num artigo de opinião de José Casanova, director do jornal Avante!, e aproveitar a ocasião de “malhar” nos comunistas.

O referido artigo de José Casanova versa o novo livro de Irene Pimentel sobre a história do inspector da PIDE Fernando Gouveia e sobre a sua relação com o PCP. Aí, José Casanova, acusa Irene Pimentel de neste seu novo livro procurar branquear o fascismo. Inflamadamente, a partir do post acima mencionado do blogue, várias personagens aproveitaram para atacar o PCP e a sua suposta incapacidade de viver com a existência de outras visões sobre o regime do Estado Novo e contra a pretensa vontade de monopolização da verdade histórica da resistência ao fascismo em Portugal.

Concordo integralmente com o texto de José Casanova pelo que me concentrarei a trazer outros dados e que ainda não foram abordados nesta questão.

1) A abordagem histórica de Irene Pimentel - tanto neste livro sobre o torcionário Fernando Gouveia como no anterior sobre a PIDE - é, sem dúvida, branqueadora do fascismo. Senão vejamos.

Em primeiro lugar, Irene Pimentel (IP) quase nunca refere o termo fascismo e quando o faz é quase única e exclusivamente para classificar a Itália mussoliniana. IP, como historiadora que é, sabe - ou deveria saber - que as palavras contam e que a mudança terminológica que a maioria da historiografia académica tem levado a cabo em torno da natureza do regime ditatotial do Estado Novo não é inocente.

Em segundo lugar, a autora abordou a PIDE e Fernando Gouveia de uma forma, a meu ver, descaradamente descontextualizada. Quer dizer, como estudar a PIDE sem nunca problematizar teórica e historicamente a natureza política e socioeconómica do Estado Novo. Reduzir a PIDE a um estrito aparelho de repressão sem ligá-la às instituições políticas e sociais em que se insere é fazer história para venda de livros, nunca uma historiografia séria e rigorosa.

Em terceiro lugar, na sequência do argumento anterior, ao isolar a polícia política de um estudo da natureza do regime e da sociedade de então, IP vai branqueando enfaticamente a natureza tanto da PIDE como do próprio fascismo. Ao isolar a PIDE da substância política do regime de Salazar e Caetano, IP está a ilibar estes dois líderes fascistas das suas responsabilidades na determinação das políticas de repressão levadas a cabo pela polícia política. Consequentemente, a polícia política surge na obra de IP como um aparente corpo independente do Estado, quando, na realidade, o director da PIDE e toda a polícia política respondiam directamente ao Presidente do Conselho, Salazar ou Marcelo Caetano. Ora, esta busca teórica pela independência da PIDE em relação ao aparelho de Estado fascista repercute-se na ausência de qualquer conexão ou estudo da inserção do regime fascista na estrutura socioeconómica da época. Assim, IP vai omitir a profunda relação entre o Estado Novo e a grande burguesia da época. Desde a formação dos grandes grupos empresariais (CUF, Sommer, Espírito Santo, etc.) a partir da legislação promulgada no Condicionamento Industrial, até à elevadíssima concentração de capital nas mãos de uma meia dúzia de grandes potentados económicos, é particularmente visível a ligação umbilical do regime fascista com o grande capital (português e mesmo estrangeiro). Numa obra com mais de 600 páginas como a História da PIDE e nunca abordar estas questões parece-me profundamente enviesante e facto nítido de branqueamento das características fundamentais do regime. Eu compreendo que abordar estas questões não permitem um historiador vender livros ao quilo nem aparecer nos escaparates, mas um historiador deve pautar-se pela seriedade e objectividade ou pela busca de um maior valor acrescentado no mercado?

2) O método de IP é puramente documental. Ou seja, IP estrutura a sua análise a partir da leitura e concatenação de documentos - a esmagadora maioria deles a partir de arquivos da PIDE. Evidentemente, não cabe na cabeça de ninguém criticar um historiador por trabalhar documentos. O contrário seria, sem dúvida, profundamente pernicioso. A questão que se coloca em IP é que a fixação a documentos na esmagadora maioria das vezes provenientes da PIDE, portanto, do próprio Estado que matou, torturou e prendeu, sem procurar dialogar com outras fontes e sem nunca apresentar uma linha argumentativa que relativizasse a natural omissão de informação nos documentos provenientes do regime, denota um enviesamento acentuado na própria condução da sua investigação.

Para terminar, por tudo o que foi aqui, resumidamente, apresentado parece-me muito difícil que IP não esteja a proceder a um branqueamento do regime fascista. Desde a não problematização da sua natureza política e social, passando pelo método de investigação e de exposição, é mais do que pertinente a crítica de José Casanova de que IP tem vindo a proceder a um exercício de branqueamento do fascismo e da resistência do PCP como referência central e principal na luta anti-fascista.

Post scriptum: se IP tem sofrido muitíssimo mais críticas de militantes e simpatizantes do PCP e muitíssimo menos de ex-dirigentes vivos do Estado Novo e de actuais simpatizantes fascistas, tal facto deveria levá-la a pensar sobre as reais implicações da sua obra. Já que IP tem orientado a sua obra para o mercado, seria, por seu turno, útil atender às respostas e feedbacks políticos desse mercado.

Anónimo disse...

Ora aí está João Valente! Um texto a partir do qual se pode discutir, mas que eu não faço porque não tenho conhecimento para tal. Agora há uma falha terrível na sua descupabilização do José Casanova (repare-se que digo José Casanova e não PCP)

"O referido artigo de José Casanova versa o novo livro de Irene Pimentel sobre a história do inspector da PIDE Fernando Gouveia e sobre a sua relação com o PCP"

Não versa não senhor. Versa sobre uma entrevista à autora. Este foi o erro crasso porque a entrevista não tem nada que indicie todas as informações que nos o joão valente aguiar nos deu por exemplo. As suas sim podem ser discutidas e são interpretações do trabalho da senhora IP. As afirmações do Casanova foram baseadas numa entrevista manipulada a seu belo prazer fazendo citações descontextualizadas.

Anónimo disse...

Diz LJ:
«...algumas instituições do salazarismo persistem entre nós. Uma delas é o Partido Comunista,... Se o deixam à solta...»
Isto para mim é muito claro. Além de ser uma deturpação grosseira, visa incitar a que alguém «cale» o PCP.
É uma vergonha!...
E mais comentários para quê?

Anónimo disse...

Quatro "regras básicas" apenas para os mais inflamados: 1) Nunca comentar um livro sem o ler primeiro (os comentários em segunda mão, e para mais de pessoas que também os não leram, não contam); 2) Nunca se pronunciar sobre o passado ou o presente de pessoas que se não conhece a não ser de ouvir falar; 3) Ler e estudar muito, em diversas direcções, antes de dialogar com quem sabem muito mais que nós sobre temas que conhecem muito melhor que nós; 4) Aceitar que a complexidade do mundo se não compadece com a lógica simplista do "nós" contra "eles". A partir daí, o diálogo torna-se mais fácil e produtivo. E sempre se poupa o fígado.

Anónimo disse...

Estimada senhora :

Registo, um pouco estupefacto, o seu deslumbramento com o «post», algo ameaçador e baseado em deduções no mínimo ligeiras e precipitadas, de Luís Januário.

A bem do pluralismo e de uma maior circulação de opiniões diferenciadas, atrevo-me a sugerir-lhe que faça antes um «link» genérico para «a natureza do mal» (é este:
http://anaturezadomal.blogspot.com )onde, procurando pela data de 3 de Novembro, se pode ter acesso aos comentários que esse «post» suscitou (o que não acontece com o «link» que Joana Lopes colocou).
Desta forma, talvez alguns leitores do «entre as brumas da memória» possam descobrir uma resposta frouxíssima ( perdoe-me a linguagem prosaica , quase a «meter o rabo entre as pernas») que Luís Januário deu ao comentário e esclarecimentos feitos por uma leitora.

Francisco Manuel Silva
francmsilva2005@yahoo.com.br

Anónimo disse...

Pois é Francisco Silva,

Parece que se for para bater no PCP já vale fazer acusações sem sustentação e usar a mesma retórica mas com falsidades históricas inadmissíveis.

A estrutura argumentativa é quase a mesma seno que luís januário nem diz porque é que a infeliz opinião do José Casanova é sintomática da cultura de censura.

Anónimo disse...

Hesitei em responder ao post de João Valente Aguiar, porque não tenho o hábito de responder a insultos, considerando que eles ficam com quem os profere. Por outro lado, o que tenho a dizer está dito no meu trabalho. No entanto, como o post anterior repete observações que têm sido veiculadas ad nauseam em alguns blogues, segundo os quais eu seria uma «branqueadora» do regime ditatorial português - ai, ai, mais uma vez não lhe chamei «fascista» - aproveito para juntar algumas observações.
Em primeiro lugar, é mesmo não saber como se escrevem livros, baseados em investigação prévia na muito longa duração, pensar que eles possam ser feitos em resposta a qualquer evento próximo da vida do PCP. Aliás, não são, pura e simplesmente, resposta ao PCP. Há muita vida para além da desse partido.
Quanto ao artigo de JC no Avante, com o qual JVA concorda «integralmente», cabe dizer de uma vez por todas que não «versa o novo livro de Irene Pimentel», dado que o articulista e director desse jornal não o leu. Versa, sim, uma entrevista que dei ao DN, da qual são retiradas frases fora do contexto, com propósitos falsificadores.
É curioso como JVA não se preocupa com o facto desse artigo utilizar frases fora do contexto e se preocupa tanto com o contexto que, segundo ele, não existiria nos meus dois livros, os quais parto do princípio que JVA leu, pois, caso contrário, deles certamente não falaria. Mas então não percebo como ignora que nunca caracterizei a PIDE como «um aparente corpo independente do Estado, quando, na realidade, o director da PIDE e toda a polícia política respondiam directamente ao Presidente do Conselho, Salazar ou Marcelo Caetano». E aqui realço a suprema ironia de JVA utilizar uma citação minha, apropriando-se dela, e ainda por cima para dizer que eu não disse o que eu disse.
Cito apenas o que vem no meu livro sobre a História da PIDE: «PIDE/DGS, um «Estado dentro do Estado»?
Como se viu, o complexo SS/Gestapo foi um «Estado dento do Estado», ora, em Portugal, a PVDE/PIDE/DGS nunca deixou de responder perante a sua tutela e, sobretudo, perante Salazar. Tal como o director da PVDE/PIDE, Agostinho Lourenço, também o chefe da PIDE/DGS, Fernando da Silva Pais, despachava com o ministro do Interior, mas também, e sobretudo, directamente com o chefe do governo. Mais tarde, embora nem todos os seus elementos dirigentes apreciassem especialmente Marcello Caetano, a DGS não deixou de responder perante ele. Desse facto, bem como do de a PIDE nunca ter tido grandes veleidades de autonomia, nem ter participado em acções contra o regime, pode-se concluir que essa polícia não era um «Estado dentro do Estado».
Parece ser, assim, mais correcta a ideia de que foi um instrumento central de um regime político oligárquico, longamente assente numa chefia ultra-centralizada de um ditador. Ou seja, foi uma polícia que sempre defendeu o regime, cujos directores funcionaram enquanto correias de transmissões de Salazar, que, permanentemente informado, pelos directores da PIDE, conhecia a sua actuação e confiava nela (…)».
Quanto aos outros argumentos de JVA, resumem-se a duas questões, que evidentemente não posso aqui desenvolver:
- a acusação de eu pretensamente branquear o regime ditatorial português (já agora conte as vezes em que eu nos dois livros refiro essa característica «ditatorial» do regime de Salazar e Caetano) porque não lhe chamo fascista e o facto de eu não utilizar a célebre caracterização de Dimitrov, segundo a qual os diversos regimes que enxamearam a Europa no período entre as duas guerras (e que prosseguiram para além do final da II Guerra Mundial, em Espanha e em Portugal) seriam a «Ditadura aberta e terrorista dos elementos mais reaccionários, chauvinistas e imperialistas do capitalismo financeiro».
Como se trata de um post, sou obrigada aqui a abordar apenas pela rama uma questão que é complexa. Eu pensava que, mesmo no campo marxista, já ninguém se baseava nesta análise simplista. Enganei-me. De facto, já há muito que até os historiadores que se reivindicam do marxismo consideram que essa definição não caracteriza a complexidade desses regimes, nomeadamente por não ter em conta a evidente «autonomia do político». Ora, eu própria considero muito importante essa «autonomia do político», além de que não sou marxista nem utilizo a análise marxista no meu trabalho.
Quanto à caracterização do regime ditatorial português como fascista, os historiadores dividem-se, consoante realçam mais as semelhanças ou, pelo contrário as diferenças, com outros regimes e, não consoante sejam de esquerda ou de direita, como cidadãos. Eu sou adepta das comparações em história, dado que precisamente permitem dar conta das semelhanças e das diferenças e precisamente por isso não utilizo o termo, que extravasou há muito do léxico da caracterização analítica, para a linguagem do dia a dia e porque acho que não dá conta da especificidade do regime português, cuja componente católica e conservadora é fortíssima. Já agora também não utilizo o termo totalitário, apesar de tudo importante na caracterização da Alemanha nacional-socialista e a URSS estalinista, para caracterizar o salazarismo. O mesmo não é dizer que o regime português foi melhor ou pior do que outros regimes ditatoriais. Não entro nisso.
Já agora, os temas que estudo são passíveis de serem abordados das mais diversas formas. Desafio os que me acusam de branquear a ditadura portuguesa a abandonarem a via do insulto e a meterem mãos à obra, pois os arquivos estão disponíveis. Quanto ao Post Scriptum, o autor do post está muito mal informado. Veja os blogues da extrema-direita.