Tenho resistido a escrever sobre o assunto, mas lá terá de ser. A partir de 1970, fui avaliada durante 25 anos. Desses, nos últimos 16, fui também avaliadora – e de que maneira. Com todos os condimentos: classificação a condicionar a progressão na carreira e as percentagens no aumento anual dos salários, com quotas para Muito Bom e Excelente, etc., etc. Com choros e ranger de dentes.
Eu sei que uma empresa não é igual a uma escola até porque também fui professora. Mas ouvir uma comentadora encartada dizer que um professor não pode ser avaliado porque é um artista ou um professor propriamente dito explicar, numa mesa redonda de uma estação de televisão (onde devia estar a representar mais do que a sua própria família, certamente embevecida pela sua prestação), que é inaceitável que alguém avalie ou possa ser avaliado por um amigo é absolutamente extraordinário e tira-me do sério (difícil é fazê-lo com «inimigos», garanto-lhe eu).
Assistir a esta discussão nos termos em que ela se tem processado só não me cheira a naftalina porque se passa muitas vezes ou ar livre, mas faz com que me sinta num país de imponentes dinossáurios. Alguém tem prazer em ser avaliado ou em avaliar? Certamente que não, excepto por puro sado-masoquismo. Mas a avaliação é uma das peças do jogo em que nos movemos e para o qual, até ver, nem os mais iluminados estão a encontrar alternativas. E os professores, por mais que queiram, não têm um campeonato próprio.
E, no entanto:
Isto não vai acabar bem, quaisquer que sejam os «vencedores». Posso estar enganada, mas parece-me que o problema está a montante: julgo que a maioria das escolas não tem um sistema de gestão por objectivos suficientemente simples, mas consistente e assumido, para «aguentar» a implementação da avaliação que se pretende – esta não deve ser mais do que um simples elo na engrenagem, nunca o seu motor. Contra o argumento de que é necessário pegar por um lado qualquer, recordo que é perigoso construir uma casa começando pelo telhado, mesmo que esteja a chover
Além disso, a avaliação não será viável, ainda que o modelo seja perfeito (e certamente que nunca o será), sem um grau razoável de aceitação por parte dos intervenientes e será um falhanço inevitável com uma percentagem inequivocamente esmagadora contra ela.
De cedência em cedência até à incoerência total, até pode acontecer que se tapem uns buracos dos dois lados da barricada, por razões político-tácticas, e que a questão desapareça provisoriamente das agendas. A ministra ficará, os professores continuarão a pedir a reforma assim que possível e haverá um dia em que os alunos chegarão às faculdades de ciências sem saber que 2+2=4.
11 comments:
Boa noite.
A questão da amizade ou da inimizade acentuada está previsa no código de procedimento administrativo. Aliás, até na página da DGRHE (Ministério da Educação) existe essa referência. Se me calhar na rifa ser avaliador, terei de recusar a avaliação a pelo menos uma colega - por bons motivos!.
Topa
O segredo estará no âmbito do adjectivo «acentuada» - e acredito que haja situações que justifiquem essa salvaguarda.
Mas, de um modo geral, o mais natural (digo eu...) é que haja relações de amizade, mesmo próximas, entre colegas. Fui avaliada, e avaliei, grandes amigos. Partir do princípio que a amizade é factor impeditivo de objectividade é pôr em causa a honestidade do avaliador.
Sim. Sempre que o avaliador sentir que a objectividade está em causa terá de ser suficientemente honesto para declarar o impedimento. Contudo, na situação que se vive em muitas escolas, duvido que não haja muitos avaliados a queixarem-se das relações pessoais entre alguns avaliadores e avaliados.
A avaliação que o Ministério propunha (tirando o facto dos titulares terem sido escolhidos como foram) não era, na minha opinião nada de extraordinário.Tirando o facto de ter criado um péssimo ambiente dentro das escolas que levou a uma tentativa de objectividade extrema.
Embora longe e desinformado, tb por falta de tempo...
Deixo uma questão, para quê avaliar os professores, se querem deixar de avaliar os alunos!?!?!?!
Abraço
Este quadro da avaliação dos professores, com todo o seu alarido e agitação, está a ter um significado que ultrapassa a classe profissional a que pertencem. O ambiente é de grande pressão, a radicalização atingiu grande altura e ( sendo já difícil, saber o que se passa com o ensino em Portugal, ou o que pode ou tem de ser o Ensino) quem avança emitindo uma opinião que não seja simplesmente a das manifestações de rua ou a do imenso paleio dos actores sindicais, “leva”. Mas leva da parte de quantos querem fazer da “crítica” ao governo um projecto de vida. Sejam sindicalistas ou qualquer pessoa que vá deambulando por aí ou que assenta nos mesas dos nossos cafés ou que está nos locais do nosso trabalho. Tentar perceber o que se passa, tão só, é estar ao lado do governo. Pecado imenso, uma definitiva putrefacção pessoal. Está a constituir-se como que um campo de batalha. Como o dos comunistas e não comunistas em certos períodos depois do 25 de Abril. E espero que não se alarga com a intervenção de outros interesses conflituais.
O Ensino é algo em que os professores têm alguma coisa a dizer, mas em que não podem ocupar todo o tempo do discurso. Felizmente que o quadro do ensino transcende-os completamente porque, se assim não fosse, poderia perguntar-se: como devem ser avaliados os professores que fazem o trabalho cujos resultados os “ensinados” mostram ao fim dos seus estudos. Se exagerarem muito a sua importância lá teremos de ver o que produzem.
A Escola ultrapassa de longe o peso dos professores, não o peso corporativo, claro, e a Escola é um escalão onde se deve procurar a incompetência, a insuficiência em relação com a apreciação dos seus professores. Mas que não se eximam os professores de a fazerem. E que tal não seja mais um zero à esquerda. Para que alguma coisa mude é preciso envolvê-los também não só na mudança como na situação a mudar.
E para além da Escola há muito mais. O sistema é muito complexo. As “sociedades” em que se insere são de prospecção quase impossível. E o pensamento que o devia conformar, ao Ensino, e torná-lo coerente (e, de facto, útil) também não é simples de definir. O que fazer? O como fazer? Com quem fazer?
Que se tente, no momento e para o imediato, articular melhor o binómio escola/professor.
Não me parece legítimo que por interesses profissionais, mal encobertos, se conduza o país à situação tensa que se vive. Não me parece razoável que tanto se fale para esconder (talvez) pouca coisa. Parece-me irresponsável que os pequenos interesses de uma minoria poderosa conduza, de forma inflexível, a mais um adiamento do nosso país. Parece-me desprezível a actuação política de todos os partidos que fazem do caso o “devido” aproveitamento político. Oportunista. Ah! Quanto está distante daqui qualquer pensamento ou prática revolucionários.
Uma coisa eu julgo saber, e nisto até estou de acordo com o Pacheco Pereira, embora o ache exagerado: se a ministra recuar ou demitir-se temos qualquer mudança substantiva no Ensino adiada por muitos anos. E até penso que nem é preciso pensar mais nada para saber quanto é alta a aposta em curso. E isto ultrapassa e deixa muito para trás as pequenas reclamações dos professores quanto à sua avaliação.
O assédio ao Governo é muito forte. O possível emparedamento do poder executivo pode ter consequências não esperadas. Talvez uma maioria absoluta... para continuarem... a chatear toda a gente, incluindo os professores.
Hoje na TSF, naquele programa da manhã em que os ouvintes participam, apareceu uma professora com o seu depoimento. Interessante, objectivo, digno e claro, afirmou-se sindicalista crítica da criação dos professores titulares. Essa criação, entendia ela, tinha sido uma ratoeira que o governo tinha montado aos sindicatos e em estes tinham “caído”. Em coerência com essa ideia (e suponho, em sua honra, porque não queria avaliar colegas), ela tinha-se indisponiblizado para ser professora titular, tendo as devidas condições, apesar da pressão que tinha sofrido do Sindicato.
Curiosa a pressão sofrida. Li os comentários que estão aqui. A isenção possível dos avaliadores... Será que o Sindicato procurava amigos entre os professores titulares. Será que já estava tendo uma actuação em várias direcções?
Zé, Nem tento responder a todas as questões que levantas!...
Não entro da discussão desses meandros de quem deve/pode avaliar quem, se são os chamados titulares ou outros quaisquer. Apenas quis dizer o que penso sobre a inevitabilidade da avaliação e, também, sobre os malefícios que a polémica actual, como está a ser gerida, trará inevitavelemte a curto ou a longo prazo.
Joana, eu julgo que foi também o que tentei dizer. Mas serei um pouco autista como a ministra e talvez não te tenha lido bem, perorando pois muito ao lado.
Claro que a avaliação virá a ser inevitável, mas a impressão que os professores deixam é a de que não a querem. Evidentemente que, agora, só é inevitável (e eficaz), se a ministra e o governo conseguirem manter a orientação que proclamam. Um recuo da ministra ou a sua demissão podem vir a comprometê-la. A comprometer uma qualquer avaliação mesmo sob forma muito diferente. E se tal acontecer, a avaliação necessária só se fará mais tarde. Muito. Parece-me. Quem está bem deixa-se ficar!.
Também me preocupa a polémica, e inquieta-me ainda mais vê-la tomar esta sua forma de conflito social e político. E aqui receio bem que os professores, melhor, a Frenprof semeie os ventos e sejamos todos nós a colher as tempestades. Tempestades num sentido bem figurado porque talvez sejam apenas aquelas boas soneca de que nós, muitos de nós, tanto gostamos.
Eu não sei bem se levantei questões e se fiz algumas perguntas acho que foi a mim mesmo. Perguntas a que, também eu, não me meto a responder. Não sei. Em tempos cheguei a pensar em algo que se podia sintetizar (nada de original) na expressão, o ensino é a prática de ensinar a aprender, embora não pensasse quem é que ensinava a ensinar a aprender. E como fazê-lo. Lá teria de pedir boleia ao Pavel para me levar numa suas Viagens à Lua. Isso hoje passou e não sei pensar o problema do ensino.
Em tempos li um livro de Ivan Illich, Sociedade sem Escolas. Não me lembro do que li, mas recordo ter ficado com uma certa perturbação. O homem era uma subversivo. E hoje, recordando-me do livro e apesar de não saber pensar a Escola, atrevo-me a dizer que a Escola é uma instituição insusceptível de suportar a carga social que tem. Para ela confluem e se fixam funções e problemas que não lhe cabem. Logo, se a carga é tão grande, e a dos professores também, porque é que não poderá ter a Sociedade menos Escola... relativamente.
Já chegam, Joana - ontem mesmo peguntei isso a um aluno de engenharia da UBI: 7x8?
Resposta do aluno, 'ah, isso, tabuada é que não...!'
mesmo sabendo que não há cálculo sem tabuada. 'Ah, isso...' pode haver mas vai parecer lento e lerdo, de certeza
É segura, a sua apreciação.
Bem, eu disse aquilo do 2+2 por piada. Isto tem então piorado muito nos últimos tempos: tenho um filho engenheiro, com trinta e poucos anos, e era inconcebível o que me conta... «no tempo dele»!!!
E depois ...quem não deve, não teme ...lá está !
Professores acima de qualquer suspeita ???? Ao que isto chegou !
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